A BOLA NO EURO 2024 ‘Portugiesenviertel’, um nome conquistado pelo estômago

SELEÇÃO25.06.202412:00

A BOLA matou saudades de casa no bairro português de Hamburgo. Emigrantes passaram do porto para a restauração. Alemães rendidos à comida lusa

HAMBURGO – Perto do coração da segunda maior cidade alemã, brindado pelas brisas provenientes do rio Elba, há um cantinho de Portugal. Uma zona que começou por acolher inúmeros emigrantes que trabalharam no porto de Hamburgo, um dos mais movimentados do mundo, mas que agora é bandeira da cultura lusitana. O bairro português conquistou nome próprio – Portugiesenviertel- e tornou-se um ponto incontornável para todos aqueles que passam por Hamburgo. Para os portugueses da região, mas sobretudo para os alemães e para os turistas que já não vivem sem o galão e o pastel de nata, o bacalhau e a carne de porco à alentejana.

Albano Rocha é dos mais antigos por aqui. Chegou em 1978, não tinha ainda 19 anos. «Vim com contrato para ir trabalhar para os barcos, para os contentores. Corríamos o mundo inteiro, mas sobretudo a Europa, a bem dizer. Depois andei seis anos ao mar, só que os barcos começaram a mudar para bandeira pirata e desisti, comecei a trabalhar em terra», recorda ao jornal A BOLA. «Estive dois anos num restaurante italiano e mais tarde trabalhei nove anos num estabelecimento português que já existia, o Restaurante Benfica. Depois comecei a tentar arranjar um espaço para mim. Comprei com o meu irmão, que foi meu sócio cinco ou seis anos, e depois tentámos que ele ficasse lá e eu arranjasse outro. Era o Beira-Mar, que eu sou de Aveiro, só que depois o meu irmão mudou para o Beira-Rio, aqui ao lado, e dava confusão com o nome. Os clientes ligavam a reservar e depois apareciam do outro lado», acrescenta o dono daquele que passou então a ser o Restaurante Casa do Benfica.

«Quando começaram a vir para aqui, os portugueses vieram trabalhar para o porto de mar, para os barcos. Os alemães gostavam muito dos portugueses porque eles é que trabalhavam. Antigamente era preciso carregar sacos, que os barcos carregavam, fosse de trigo, farinha ou café. Começou a surgir a fama dos portugueses. Mais tarde os portugueses começaram a trabalhar também nos barcos da pesca e nas fábricas, que eram umas cinquenta aqui perto, a um quilómetro. Então começou a tornar-se o bairro português», explica Albano Rocha.

Dos barcos para a restauração

Anteriormente ocupado sobretudo por lojas de roupas, sapatos ou tapetes, o bairro começou a ter negócios de restauração de portugueses que por ali se instalaram e que conseguiram melhores condições de vida. Alguns com mais do que um estabelecimento. Albano chegou a ter três pastelarias, mas agora voltou a ter apenas o restaurante. «Já não acho isto tão bom quanto antigamente. Parece que a nossa comunidade está a acabar, já temos aqui outros países. Os alemães e o turismo procuram o bairro português, e, quando chegam, muitos estranham, pois alguns estabelecimentos já não são portugueses», lamenta este empresário português, que tenciona voltar ao país natal dentro de alguns anos, quando a mais nova de três filhas estiver licenciada. «Venho cá de vez em quando. Nenhuma das minhas filhas queria ficar, queriam ir atrás de mim. E nasceram cá! Mas eu quero que continuem», explica.

Virgilio Gomes da Silva

Virgilio Gomes da Silva chegou a Hamburgo uma década depois de Albano, em 1988, mas os progenitores já tinham emigrado antes.  «O meu pai andou aqui no mar, nos anos 70 e 80. Cresci com os meus avós, e em 1988 o meu pai foi buscar-nos, a mim e aos meus irmãos. A partir daí começámos a organizar a vida, tínhamos coisas a pagar em Portugal. Fomos crescendo, gostámos disto e ficámos por aqui», diz o proprietário do restaurante O Farol. «Foi um sonho que eu tive. Abri primeiro sozinho, depois consegui integrar a família. A minha irmã, o meu pai e a minha mãe saíram dos trabalhos em que estavam e vieram trabalhar para mim. Em 2002 abri a segunda loja, tornou-se maior. Agora tenho amigos, da nossa terra, a trabalhar para mim», diz este português de A Ver-o-Mar, que garante que a comunidade do bairro «tem uma boa relação, a maioria», até com os alemães que ali vivem.

«Eu vim atrás do meu ex-marido. Vim atrás do amor e aqui fui ficando. Tenho duas filhas e a vai vai-se prolongando. Este café está aqui há 17 anos comigo», revela Ilda Machado, à frente do Cristal. «Este bairro é maravilhoso. Faz lembrar um pouco do nosso Portugal. Só não temos água salgada, o mar, mas faz lembrar um bocadinho o nosso Portugal. É maravilhosa a nossa comunidade aqui», diz esta portuguesa de mangas arregaçadas enquanto percorre as mesas do estabelecimento.

Ilda Machado