A BOLA NO EURO Gutersloh é uma casa portuguesa, com certeza…
Um local de culto, tradições, convívio e união com o carimbo nacional; As memórias de 2006 e os lamentos das novas gerações; A BOLA recebida com orgulho, assim como seria a Seleção…
GUTERSLOH – Para ali chegar percorremos um caminho com paisagens que poderiam figurar nos mais belos postais germânicos. Uma beleza natural que nos faz tropeçar pois a distração para apreciar o momento é constante. Ao fundo, de cores bem marcadas, facilmente identificamos três letras: APG. Mágicas. Um local de culto, tradições, convívio e união. Associação Portuguesa de Gutersloh. Três letras, cada uma delas com as cores da Bandeira portuguesa.
Nem era preciso essa marca de água pois rapidamente somos transportados para qualquer local nacional. Os cheiros, as gargalhadas, as cores. Sabemos que estamos a chegar ao cantinho mais português deste Europeu. Mas a porta está aberta a todos. São 150 associados (os números subiram nas últimas horas para tentar adquirir um ingresso para o único treino aberto de Portugal no Europeu) e conta com alguns alemães, espanhóis, ingleses e polacos.
Somos recebidos com orgulho. Não é fácil encontrar por ali gente nova. «Os mais velhos vão saindo e os mais novos não querem. Tenho três filhos e para os trazer aqui é muito complicado. Andei a pagar as quotas deles durante anos até desistir» conta-nos Jorge Figueiredo, um dos braços direitos do presidente recém eleito Júlio Romano. «Fui vários anos vice-presidente. Não saltei para as costas de ninguém. As comunidades portuguesas, aqui ou na China, cada vez têm mais dificuldades para arranjar pessoas para trabalhar», lamenta-se, com um tom de voz mais carregado e cansado, ou não fossem as últimas horas verdadeiramente frenéticas devido à receção da Seleção a Marienfeld.
Scolari, Figo, Ronaldo, um museu de 2006
A AGP esteve presente como a principal coletividade lusa. Tal como aconteceu no Mundial de 2006. Dentro da associação, composta por três salas, uma delas está mais protegida. Qual peça preciosa. Fechada em vidro onde estão vários adereços relativos à receção da coletividade em 2006. Uma camisola autografada por todos os jogadores, cartas de Luís Figo, um quadro com Luiz Felipe Scolari, duas bolas de jogo e até um chapéu de um polícia dessa altura. Um local de culto que todos nos fazem questão de mostrar. Com uma tristeza por serem momentos que muito dificilmente se irão repetir em 2024.
«Não temos essa esperança. O nosso rancho folclórico das Lavradeiras não pôde atuar porque a UEFA não permitiu. Por tudo o que aconteceu no estádio, naquele treino, as invasões que houve, digo que não. Se tivessem lá 1000 portugueses foi o máximo. Denegriram a imagem portuguesa. Já imaginaram se um daqueles invasores chegasse ao lado do Cristiano como uma faca? Como era? Mesmo que Portugal siga em frente não acreditamos que haja mais um treino de porta aberta. Partem e rasgam tudo mas não portugueses», lamenta.
Para Ronaldo era uma sardinha!
A cada instante somos convidados a comer. E beber, pois claro. A arte de bem receber qualquer português. No café, enquanto os homens (que passaram a manhã a trabalhar desmontando as tendas dos comes e bebes em Marienfeld), as mulheres vão tratando do petisco. Já passam das 15 horas. A fome aperta. Na TV o Hungria-Suíça passa para segundo plano. Os olhos estavam postos na Manuela e Maria de Lurdes, as cozinheiras de serviço.
A segunda tratou do arroz de tomate. A primeira ocupou-se de uma especialidade: filetes de sardinha. «Dona das sardinhas? Não. O mar é que das sardinhas [risos]. O truque é ter amor e carinho nas coisas que fazemos. Com isso tenho vocação para tudo. Sou de São Pedro da Cova e está quase! Faltam duas semaninhas para poder voltar a Portugal. Estou cá há 19 anos e estes fins de semana são sagrados», explica, sempre de sorriso aberto, soltando uma gargalhada assim que foi questionada sobre qual a refeição que serviria a Cristiano Ronaldo.
A Alemanha já ganhou mas ainda falta Portugal. Uma final? Era complicado. Os meus patrões são alemães e iriamos bater os dois de frente
«Fazia-lhe um arrozinho soltinho com feijão e dava-lhe as sardinhas. Acho que iria repetir a segunda e terceira dose. Todas nós éramos para ir dançar para eles, mas não nos deixaram. Fomos até a porta do hotel mas UEFA... Algumas largaram o trabalho para estarem lá, a desilusão das crianças, enfim, mas espero que corra tudo bem para a seleção. A Alemanha já ganhou mas ainda falta Portugal. Uma final? Era complicado. Os meus patrões são alemães e iriamos bater os dois de frente [risos].
Um craque que foi presidente… oito vezes
Começou com uns torneios portugueses de verão, mas em 1978 resolveu-se formar uma equipa de futebol. Que competiu no escalão mais baixo da Alemanha. «Na série C dos distritais [risos]. Ainda subimos no primeiro ano, mas depois, com o tempo, foi o convívio que prevaleceu e o futebol era mais para a ‘copofonia’. E depois, claro, faltou dinheiro», conta Artur Festas Rodrigues, filho de um dos fundadores da Associação, uma das promessas da altura.
Hoje sou o sócio número 2 e já fui oito vezes presidente. Fui mecânico na oficina da OPEL durante 49 anos. Com três operações ao joelho já nem dá para dar uns pequenos toques
«Hoje sou o sócio número 2 e já fui oito vezes presidente. Fui mecânico na oficina da OPEL durante 49 anos. Com três operações ao joelho já nem dá para dar uns pequenos toques. O custo de uma equipa federada custava cerca de 5 mil euros e os outros sócios que pagavam quotas queriam mais do que o futebol», explica.
Hoje, por estes dias, é o futebol que gera todas as atenções. Portugal, pois claro. Mas no AGP, além do rancho folclórico, há vários torneios de cartas, matraquilhos e malha. Os troféus estão expostos em local privilegiado para todos apreciarem. Sempre com planos para o dia seguinte. E todos vão já preparando a festa de São João que terá particular destaque na próxima terça-feira. Todos fomos convidados. «Escreva aí que quem quiser pode aparecer. Será bem recebido. Sem distinções. Como se do Cristiano Ronaldo se tratasse», despede-se Júlio Romano.