A primeira parte de Portugal foi ‘apenas’ deslumbrante; o mesmo sistema e novas dinâmicas; o ‘jogo a sério’ acabou ao intervalo
Simplesmente soberba a primeira parte da Seleção de Portugal. Golos, classe e fantasia num espetáculo de mão cheia, que durou 45 minutos como se fosse uma aula de catedráticos sobre a arte de jogar futebol atacante. Quem gosta verdadeiramente de futebol e viu essa primeira parte da equipa portuguesa bem se pode dar por privilegiado.
É invulgar poder-se encontrar apenas em meio jogo a concentração de tanta beleza estética e de tanta eficácia. Nesse tempo, Portugal fez cinco golos em seis remates perigosos à baliza e conseguiu ainda a proeza de não consentir uma única defesa ao guarda redes bósnio.
Roberto Martínez projetou o Europeu do próximo ano, mas lembra que são precisos mais jogos para afinar a máquina lusa. «Hoje, quem estivesse perante Portugal iria sofrer», garantiu
Frescura e novidades
Da promessa da equipa fresca, quatro alterações de jogadores em relação ao onze escolhido por Roberto Martínez para o jogo com a Eslováquia: Gonçalo Inácio, Danilo, Otávio e João Félix. Ficaram assim de fora António Silva, Palhinha, Bernardo Silva e Gonçalo Ramos. Estas alterações estiveram muito longe de serem apenas nominais.
Capitão está imparável em frente à baliza: aos 18’ já tinha bisado. Médio do M. United somou também mais um golo e nova assistência e João Neves estreou-se na Seleção A aos 19 anos
Desde logo na defesa, porque a entrada de Gonçalo Inácio trouxe um esquerdino ao centro da defesa portuguesa; mas também na troca de Bernardo Silva por Otávio, que trouxe mais andamento no transporte de bola e na pressão sobre o adversário no meio campo; e, por fim, na troca de Palhinha por Danilo, porque permitiu a grande surpresa de manter o mesmo sistema, mas com uma nova dinâmica. Por isso, Martínez trocou os laterais... sem trocar de jogadores. Dalot foi para a direita e Cancelo para a esquerda.
A ideia, que, aliás, resultou em pleno, foi a de adiantar Cancelo para o meio campo interior, jogando muitas vezes ao lado de Otávio, quando a equipa tinha a bola, o que dava a necessária largura a Rafael Leão. Esse movimento de Cancelo acabava por ser compensado com o recuo de Danilo para o centro da defesa, mantendo sempre a equipa equilibrada, mesmo em situação de grande pressão atacante sobre o adversário.
Entre os melhores do mundo
Pode dizer-se que tudo se tornou mais facilitado, porque, logo aos 5 minutos, Cristiano fez o primeiro golo, de penálti e, a partir daí, a Bósnia desmoronou-se como um castelo de cartas. Eis algo que faz sempre parte da mitologia do futebol, que nos diz que uma equipa só joga no auge do seu esplendor quando o adversário deixa. Uma meia verdade.
Extremo do Servette que mais tentou levar a equipa a remar contra o pesadelo de Zenica
O esplendor português daquela primeira parte só existiu porque Portugal tem, de facto, uma seleção notável, com um vasto conjunto de jogadores de muito talento e ainda alguns outros geniais. E acho que não devemos ter medo ou demasiado pudor em acentuar uma realidade visível e que nos deve orgulhar: esta é, na atualidade, uma das melhores seleções de futebol do mundo. E isso chega para podermos dizer que somos o mais sério candidato à conquista do próximo Europeu? Nem por sombras.
Halil Umut Meler esteve bem nas decisões mais relevantes
Estaremos, por reconhecimento e estatuto, entre os candidatos mais fortes, isso é inegável, mas um título europeu ou mundial depende de demasiados fatores, alguns dos quais incontroláveis. E ainda bem, porque são essas incertezas que ajudam a tornar o futebol um jogo mágico.
Para o comum espectador, foi pena que o grande espetáculo só tivesse meia parte. É verdade que o jogo a sério acabou ao intervalo, com o resultado em 5-0. Mas não terá sido, propriamente, um tempo desbaratado. Martínez aproveitou para dar folga à intensidade de jogo, mas não ao rigor tático dos seus jogadores, nem à oportunidade de continuar a trabalhar nas experiências no seu inventivo laboratório.
Faltam, agora, ainda dois jogos para Portugal concluir a sua atuação no grupo que lhe calhou. Para já, oito jogos e oito vitórias e primeiro lugar no grupo já garantido. Trinta e dois golos marcados (média impressionante de quatro golos por jogo) e apenas dois golos sofridos. Mesmo fazendo parte do grupo de comentadores que não gosta de ver o futebol pelos números e à luz da estatística, tenho de admitir que é um quadro de honra de uma eficácia admirável.