A revolução não será televisionada
Benfica é um dos participantes portugueses na Champions 2024/2025. Foto MIGUEL NUNES

A revolução não será televisionada

OPINIÃO08:30

Jogos de clubes portugueses nas competições da UEFA voltaram a ser de «interesse generalizado do público». Mas o caminho para que voltem a ser transmitidos em sinal aberto não é fácil

O despacho publicado na quarta-feira em Diário da República, que define «os acontecimentos que devem ser classificados de interesse generalizado do público» em 2025 e que por isso devem ser transmitidos por «operadores interessados na sua transmissão televisiva que emitam por via hertziana terrestre com cobertura nacional e acesso não condicionado» — ou seja, pelos canais que estão na TDT, em resumo RTP, SIC e TVI —, causou frenesim. Iremos voltar a ter equipas portuguesas a jogar na UEFA em sinal aberto, depois desses encontros terem desaparecido da lista há um ano?

Não contem já com isso. Por enquanto, e citando o fabuloso poema/canção de Gil Scott-Heron, «a revolução não será televisionada». A própria Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), no parecer obrigatório que entregou ao Governo sobre a lista de acontecimentos de interesse do público, lembra que «nem o titular dos direitos exclusivos está incondicionalmente obrigado a cedê-los aos operadores terceiros para tanto legalmente habilitados, nem estão estes vinculados a garantir a sua aquisição a todo o custo». Mais: «não cabe aos detentores dos direitos exclusivos assegurar a efetiva e incondicional disponibilização desses direitos, mas apenas facultar a operadores terceiros a possibilidade de acesso a esses mesmos direitos, em termos não discriminatórios e de acordo com as condições normais do mercado.»

E esse mercado ficou muito inflacionado na recente compra de direitos das competições europeias para o ciclo de 2024 a 2027. A Sport TV fez uma proposta milionária à UEFA pelos dois primeiros pacotes da Champions — na prática, os dos jogos das equipas portuguesas. Para que um deles fosse transmitido em sinal aberto, SIC ou TVI (a RTP, com o Governo a retirar-lhe a possibilidade, fica sem possibilidade de competir) teriam provavelmente de pagar metade. Há um ano, Pedro Morais Leitão, administrador delegado do grupo Media Capital, dono da TVI, admitia não terem condições para isso. «Os preços tornaram-se incomportáveis para as televisões abertas», afirmou ao +M. Bastará o fim da publicidade na RTP para lhes dar esses meios?

«Na falta de acordo entre o titular dos direitos televisivos e os demais operadores interessados na transmissão do evento, há lugar a arbitragem vinculativa da [ERC], mediante requerimento de qualquer das partes», determina a Lei da Televisão. Tenho sérias dúvidas que se chegue, sequer, aí, pelo menos até ao fim da época.