ENTREVISTA «A meio do Euro, fiz as malas, queria ir embora, não estava ali a fazer nada»
Ricardo Quaresma foi um dos mais virtuosos jogadores portugueses, mas sente que foi injustiçado várias vezes na seleção. Ainda assim, cumpriu o objetivo de ser campeão europeu
Venha comigo até ao Euro 2012, organizado pela Ucrânia e pela Polónia, Portugal perde nas meias-finais com a Espanha, precisamente aquela que foi a seleção campeã da Europa. Ricardo Quaresma foi um dos internacionais de Portugal nesse Euro 2012. No último Europeu foi Campeão em 2016. Ricardo Quaresma é uma das personalidades do futebol português e participou em três fases finais de Europeus: 2008, 2012 e 2016.
Três Europeus. O segundo foi o de 2012, organizado pela Ucrânia e pela Polónia. Não jogaste o primeiro jogo com a Alemanha, no Arena Lviv. O que te recordas desse estádio?
Era um estádio com um ambiente fantástico. Esse Europeu para mim foi o pior de todos os que eu fiz, porque acabo por não ter um único minuto de competição. Foi uma grande desilusão grande para mim. Cheguei ali a meio do campeonato, fiz as malas e queria-me ir embora, porque senti que não estava ali a fazer nada. Mas, em termos de equipa, correu bem, conseguimos ir às meias-finais. Acabámos por ficar por ali, mas acho que a equipa esteve bem.
Conhecias bem Paulo Bento, e ele conhecia-te bem. Como é que foi gerir-se toda essa desilusão de ficar no banco?
Eu acho que foi mais difícil por isso mesmo, porque o Paulo era uma pessoa que eu admirava e respeitava, e continuo a admirar e a respeitar. Eu fui colega dele de quarto, ouvi muitos conselhos do Paulo, muita coisa que o Paulo me transmitia. Aprendi muito com o Paulo e quando cheguei ao Europeu nem joguei um minuto… Obviamente que os treinadores têm todo o direito de ter as opções deles, mas podia ter tido uma conversa comigo e explicaram-me o que se estava a passar.
Nunca tiveram essa conversa?
Não, nunca tivemos essa conversa e aquilo estava a mexer muito comigo. Sinceramente, não entendia, porque os que jogavam também não eram melhores do que eu.
Quem é que te conseguiu controlar quando quiseste abandonar o estágio?
Na altura falei com o Cris [Cristiano Ronaldo]. O Cris falou muito comigo, acalmou-me muito porque ele era aquele em quem eu tinha mais confiança para falar disso. Com o próprio Gaspar [fisioterapeuta] também cheguei a ter muitas conversas no Departamento Médico com ele e ele também soube acalmar-me, no momento em que eu estava meio perdido…. Depois continuei sempre a treinar, sempre a trabalhar, mas não me sentia feliz na Seleção.
Cresceste com ele, faz parte da tua vida, Cristiano Ronaldo é sem sombra a dúvida um grande amigo teu que o futebol te deu. Estás também com ele em 2008 na Suíça, naquilo que é o teu primeiro Europeu e é o Europeu onde ele consegue iniciar essa caminhada como capitão da Seleção, como um dos líderes do Portugal.
O Cris foi sempre evoluindo ano para ano, foi conquistando as suas coisas, e continua a conquistar porque já faz parte do ADN dele. Eu acho que o Cris, tenha a idade que tiver, vai lutar sempre pelas conquistas dele, pelos objetivos dele, porque já faz parte dele. Fico feliz por vê-lo no patamar que alcançou. Como amigo dele desejo-lhe a maior sorte do mundo, até porque ele ainda continua a jogar e na minha opinião bem. Se ele ainda se sente disponível, e pronto, para ajudar, seja a Seleção, seja a equipa dele, porque não continuar?
Até porque é difícil dizer adeus.
Depende. Depende da pessoa para pessoa. Há uns que sofrem mais, outros nem por isso. Eu pensei que ia sofrer mais, quando já estou praticamente há duas épocas sem jogar. Pensei que ia sofrer muito, mas lá está, se estiveres bem resolvido contigo mesmo, se tiveres a tua família, e os teus negócios que também te possam ocupar esse tempo e fazer-te esquecer um bocado o mundo do futebol, vais olhar para isso como uma coisa normal.
«Tivemos muitas reuniões entre nós e o Cristiano, o Pepe, o Ricardo Carvalho»
Em 2008 o Cristiano começa então a ganhar esse espaço de líder na Seleção, tu jogas dois jogos desse Campeonato da Europa e marcas um golo com a Chéquia. Tens melhores recordações desse Europeu?
Sim, melhores porque joguei, mas joguei pouco. Nesse jogo com a República Checa eu entro e até é o Cris que me faz o passe e eu faço o golo, praticamente de baliza aberta. Depois jogamos com a Suíça, um jogo que não contava para nada pois o apuramento já estava garantido, e eu jogo de início. Nesse Europeu acabámos por ficar nos oitavos, e esse jogo eu já não joguei. Mas, sim, foi melhor do que 2012, pelo menos tive o prazer de entrar em campo e de jogar.
Mas não foi tão bom como 2016. Terceiro Europeu para ti, com o terceiro Selecionador que tiveste nos AA. És utilizado em sete jogos, também marcas um golo, nos quartos de final com a Croácia. Como é que foi para ti, todo o ambiente, antes de vencermos?
Acho que o espírito do grupo que se criou no início foi o que nos levou ao sucesso. Não estou a falar só sobre o Europeu, estou a falar também da qualificação que estava ali meio tremida. O Fernando Santos quando assume a Seleção preparou bem esse espírito de grupo e eu acho que foi isso que nos levou ao sucesso. Depois quando chegámos ao Europeu tivemos muitos altos e baixos. O povo a duvidar, mas nós nunca duvidámos de nós porque tínhamos um bom espírito de grupo, unimo-nos e falámos muitas vezes uns com os outros. Tivemos muitas reuniões entre nós e o Cristiano, o Pepe, o Ricardo Carvalho foram importantes para passar a mensagem para alguns jogadores, porque havia jogadores mais tensos do que outros, o que é normal porque cada um tem a sua personalidade e a sua maneira de lidar com as dificuldades. Para mim a pessoa mais importante, ao fim de um cabo, no meio disto tudo, foi o Fernando Santos que soube gerir um grupo de homens.
Um grupo de homens difíceis?
Difíceis não, porque cada um sabia aquilo que tinha de fazer, obviamente que depois toda a gente quer jogar. Faz parte. Mas toda a gente respeitou sempre as opções do Fernando. Nunca houve ninguém a estragar um treino, nunca houve ninguém a estragar um jantar ou um almoço. Azias claro que havia porque como eu já te disse, ninguém gosta de ficar de fora, e de não jogar, ainda por mais nestas competições. Há muita gente que está à espera destas competições para fazer grandes contratos e dar aquele passo em frente na carreira. Acontece muita coisa, mas não é o que eu te digo, o Fernando soube gerir homens.
Nesse Euro 2016 fazes uma assistência, na fase de grupos frente à Hungria, precisamente para o Cristiano marcar.
Sim. Recordo-me que tinha acabado de entrar, há um canto e era o João Mário que ia bater, mas eu gritei e disse que eu batia. Entretanto, faço canto curto com ele, o João passa, eu cruzo de primeira e o Cris marca. Faz aquilo que ele já está mais do que habituado a fazer… Esse é um jogo onde estivemos dentro, estivemos fora. É um jogo de emoções, tanto que acabou o jogo, nós passámos com esse empate, e quando acaba estamos nós todos irritados dentro de cabine. Ninguém falava, parecia que tínhamos perdido e lembro-me de o Fernando Santos entrar na cabine, meter toda a gente para fora e só fica ele, a equipa técnica dele e os jogadores. Ele fechou a porta e teve ali um discurso que foi importante para o grupo perceber que o caminho era aquele.
O caminho era aquele e se chegámos à final foi porque passámos os oitavos, precisamente, com um golo teu. Sentiste-te orgulhoso nesse momento por fazeres parte da história de Portugal?
Eu sempre tive muito orgulho em representar o meu país. Obviamente que houve momentos em que pensei em abandonar a Seleção porque sentia que não me davam o devido valor e não tinha essa felicidade de jogar na Seleção, mas orgulho sempre tive. Obviamente que nesse jogo dos oitavos de final marquei um golo importante, mas o orgulho foi sempre o mesmo. Só vestir aquela camisola já é um orgulho.
Depois, na final, entras aos 25 minutos, precisamente naquele momento de grande tensão, quando o Cristiano Ronaldo se lesionou. Recordas-te do que é que sentiste?
Não tive muito tempo para sentir nada. Aquilo foi aquecer e entrar. Eu estava no banco, vimos a jogada toda acontecer, vimos que o Cris já não estava a 100%, e quando faz o sinal ao Fernando Santos, que tinha de ser substituído, praticamente foi o Fernando Santos olhar para o banco e eu a entrar. Não tive muito tempo para aquecer, por isso não tens muito tempo para pensar. A única coisa que tenho na cabeça é entrar e dar o meu melhor porque as finais não se jogam, ganham-se.
Não te recordas de nenhuma conversa que tenhas tido?
Nada, nada… porque não tens tempo para falar. Quase que não tinhas tempo para respirar, quanto mais para falar. Foi um jogo intenso, um jogo difícil, porque a França é a França e a jogar em casa ainda amais. Mas, depois também foi importante jogarmos com o stress deles, com a tensão deles… Começas a ouvir os adeptos deles, praticamente o jogo todo, a fazer barulho, e quando chegamos ali a parte dos 100 minutos e começas a ver eles a caírem cada vez mais. A duvidarem cada vez mais da equipa, e tu aí começas também a jogar com isso. O pior é que tu fazes um golo e ainda faltava algum tempo para acabar. E eu acho que foi essa ansiedade, essa nossa ansiedade que foi a que custou mais a todos os jogadores, porque tu olhavas para o relógio e parecia que o relógio não andava. Pelo menos para mim o mais difícil foi lidar com esse tempo. Eram cerca de cinco minutos, não sei, mas para mim foram os mais difíceis. Se estás numa final, obviamente que o teu pensamento é ganhar, seja contra a França, seja contra quem for. Sabíamos que ia ser difícil, porque repara, tu antes do jogo estás a ver a França a chegar já com os autocarros para a festa, com tudo montado para a festa, porque estavam muito confiantes que iam ganhar o jogo. Aliás, eles pareciam que já não precisavam de jogar para fazer a festa. Então aquilo também mexe com o teu orgulho, mexe contigo. E eu falo por mim, a mim o meu sangue ferve em pouca água e essas coisas foram mexendo comigo. Eu quando entro numa final, entro para ganhar, seja à França, seja contra quem for, mas, sabíamos que não íamos lutar só com a equipa, com a seleção francesa, mas com o país francês.
«Disseram-me que ia ao Mundial, eu a ver na TV e o meu nome não aparece»
E esse sangue que fervem pouca água, depois daquela vitória toda, que sentimento tinha?
É difícil explicar todas as emoções, tudo aquilo que passa na cabeça, mas a primeira coisa que eu fiz foi ir à bancada, pegar o meu filho ao colo e levá-lo para dentro de campo e andar com ele ali. Eu acho que só caí em mim quando cheguei ao Aeroporto de Lisboa. Aí foi quando me caiu a ficha e disse: realizei o sonho de todos os portugueses. Lá não houve muito tempo para pensar, porque foi tudo muito rápido. Ok, sabes que ganhaste, porque tens essa noção, mas eu acho que nós jogadores ainda não tínhamos a noção do que ganhámos para o país, sabes? O troféu que a conquistámos para o país. E acho que só tive essa noção quando cheguei ao Aeroporto de Lisboa e vi o nosso país parado.
Do ponto de vista pessoal, também foi um orgulho ainda maior despedires-te da Seleção em Europeus como campeão, quando anos antes pensaste em abandoná-la.
Eu acredito muito no destino, acho que o que está escrito para ti ninguém vai apagar. Eu acho que tinha de ser assim. Tive muitas oportunidades para estar nos mundiais e nunca estive. Ficava sempre de fora. Quando estava no FC Porto, as coisas estavam a correr-me muito bem, onde fui considerado o melhor extremo, o melhor jogador, durante vários anos e depois chegava os mundiais e eu ficava de fora. Tive de esperar até 2018 para fazer um Mundial. Por isso, é o que é. Não sou muito de me chorar ou de ficar a pensar no passado, porque a vida vai andando e tu tens de olhar para o presente, mas se olhar para trás, acho que fui muitas vezes injustiçado.
Nunca tentaste encontrar a resposta?
Não sou muito de perguntar o porquê disso ou o porquê daquilo. Se os treinadores decidirem por eles sentarem-se comigo e falarem, eu aí vou fazer as perguntas que tenho, mas nunca fui de bater às portas dos treinadores e perguntar o que é que seja. A não ser que acho que aquilo já está demais.
Onde é que estavas em 2004 quando foi Europeu?
Estava no Barcelona, recebi a pré-convocatória, mas três jogos antes de acabar o campeonato parti o quinto metatarso, tive de ser operado e perdi o Europeu.
Como é que viveste esse Europeu, de pé partido?
Vivi bem, cheguei a ir ao estádio ver a Seleção, orgulhoso por aquilo que a Seleção estava a fazer, até que chegou o momento da final onde todos nós pensávamos que íamos ganhar. Mas, lá está, o destino estava à minha espera para ser Campeão Europeu.
E és orgulhosamente campeão europeu para o Portugal? É esse o ponto alto de todos os títulos conquistaste?
Eu ganhei tudo o que tinha para ganhar no mundo do futebol. Ganhei Champions League, sou Campeão do Mundo pelo FC Porto… Ganhei tudo, mas chegando a esse título, acho que nenhum se compara a ser Campeão Europeu pelo meu país.
Foste mais feliz ou mais triste no futebol?
Tive momentos. No momento em que ganho o Europeu, obviamente que era a pessoa mais feliz do mundo. Mas, digo-te que se começo a olhar para o passado, e começo a ver o que se passou durante a minha carreira... Falaste de 2004, mas eu em 2002 estive para ir ao Mundial e à última hora fiquei de fora. Antes da convocatória falaram comigo e disseram-me que eu ia ser a surpresa do Mundial. E de repente estou em casa a ver a televisão e o meu nome não aparece. Nem para os Sub-21, nem para o Europeu, nem para a equipa principal para o Mundial. E tu começas a pensar: o que é que se passa? Por isso é que eu te digo, na Seleção sempre fui muito injustiçado, onde muita gente, que tem mania de ser entendida do futebol, falava mil e uma coisa do meu feitio, que era disto e daquilo, sem saber o que é que se passava por trás. Mas, a verdade é que eu na Seleção nunca me afirmei e não foi por mim, foi porque nunca me deram oportunidade para isso. Agora o porquê? Só os treinadores é que sabem.
Agora que é que acabaste, cresceste mais no futebol com dor ou com prazer?
No final com dor e no início com muito prazer.