4 de julho de 2004: 20 anos depois, ainda dói
Charisteas voou mais alto do que as esperanças portuguesas e a queda esmagou os sonhos nacionais (Arquivo ASF)

4 de julho de 2004: 20 anos depois, ainda dói

SELEÇÃO04.07.202400:00

O dia em que um cabeceamento fulminante de Charisteas destruiu os sonhos portugueses na final do Europeu jogado em nossa casa

4 de julho de 2004. Com bandeiras à janela, escolta de milhares até ao Estádio da Luz, a Seleção Nacional preparava-se para enfrentar a Grécia na final do Euro 2004. Uma equipa recheada de talento, com as bases do FC Porto campeão europeu e com misto da experiência de jogadores como Figo ou Rui Costa com a irreverência de Cristiano Ronaldo ou Hélder Postiga, treinada pelo campeão do Mundo Luiz Felipe Scolari, tinha tudo para se sagrar campeã da Europa. Só que... do outro lado estava a Grécia.

Todos levaram Portugal à final

A caminhada de Portugal rumo à derradeira decisão do Euro 2004 foi recheada de momentos marcantes. Desde a derrota inicial com a Grécia, ao momento em que Ricardo defende sem luvas e bate o penálti decisivo, passando pelo golaço de Maniche quase na bandeirola de canto frente à Holanda, muitos foram os lances que ficaram para a história.

Depois de liderar o grupo A com seis pontos, a Seleção Nacional apanhou pela frente a Inglaterra. Michael Owen, David Beckham, Scholes, Gerrard ou John Terry eram nomes de peso e, a eles, juntava-se um jovem Wayne Rooney que brilhava. O empate a dois golos só foi resolvido nas grandes penalidades, com Ricardo a defender o penálti de Darius Vassell sem luvas, antes de bater David James no penálti decisivo.

Nas meias-finais, com um golo e uma assistência de Cristiano Ronaldo, o momento brilhante foi de Maniche: um golaço na sequência de um canto, de ângulo quase impossível, selou a vitória portuguesa em Alvalade.

A caminhada da Seleção uniu tudo e todos e, no dia da final, foram centenas de milhares aqueles que se juntaram para acompanhar a comitiva. A pé, de carro, de mota, de avião, de barco ou até de cavalo, todos fizeram parte da escolta feita desde Alcochete, casa de Portugal, até ao Estádio da Luz, palco da final. Tal como pediu Scolari, as bandeiras estavam à janela e os portugueses cantaram a uma só voz. Faltava apenas uma vitória para, em casa, Portugal conquistar o primeiro título da sua história. Só faltava bater um adversário... de má memória.

Trator de apoio a Portugal (Arquivo ASF)

A épica caminhada grega

A narrativa do percurso grego pode ser comparada, em termos futebolísticos (e com a devida distância) a uma autêntica Odisseia. Otto Rehhagel era o técnico da seleção que, no jogo de abertura, apanhou... Portugal. E venceu! 2-1, com golos de Karagounis e Basinas, deram um surpreendente triunfo ao conjunto grego. Um primeiro passo de guerreiro que não evitou sofrimento. Um empate com Espanha e derrota com a Rússia na última jornada da fase de grupos deixaram os helénicos com os mesmos 4 pontos e a mesma diferença de golos que la roja. Só que a Grécia marcou quatro golos, mais dois que os espanhóis, ou seja, avançou, de forma sofrida, aos quartos de final.

Frente à campeã europeia em título, a França, dá-se a segunda grande surpresa da gigante grega, escrita em capítulo com prosa bem parecida à do epílogo da epopeia. Um cruzamento a partir da direita encontra Charisteas que, com um cabeceamento fulminante, bateu Barthez e les bleus. Com estrondo, caía a detentora do troféu Henri Delaunay.

Veio, em seguida, a Rep. Checa, de Nedved, Petr Cech, Rosicky e Milan Baros, o melhor marcador do torneio. Uma das grandes favoritas a lutar pelo título, mas um golo de cabeça de Dellas já no prolongamento voltou a ser decisivo.

O Estádio da Luz, repleto de esperança

Mais de 65 mil estavam no Estádio da Luz, a grande maioria para apoiar a Seleção Nacional. O jogo decorreu com o favoritismo já esperado para Portugal: ao intervalo, havia 61% de posse de bola para o conjunto das quinas, que se plantava no meio-campo adversário. O domínio português pouco ou nenhum espaço dava à Grécia para atacar a baliza de Portugal.

Até que...

Ao minuto 57, um cruzamento a partir da direita encontra Charisteas que, com um cabeceamento fulminante, bateu Ricardo. O voo sobre Costinha e a antecipação ao guarda-redes português na sequência do canto marcou um dos mais infames momentos da história do futebol português. O domínio dos da casa intensificou-se mas, no final, a única seleção a bater Portugal fê-lo no início... e no fim.

As imagens das reações

A grande esperança deu lugar ao desespero abismal, dentro e fora de campo. Um dos mais marcantes momentos foi o de um jovem Cristiano Ronaldo, de apenas 19 anos, a chorar copiosamente após a derrota.

Cristiano Ronaldo, após a derrota com a Grécia na final do Euro 2004 (Arquivo ASF)

Visivelmente desiludido ficou Rui Costa, ficando célebre a sua imagem a passar por Eusébio... e pela taça.

Rui Costa cumprimenta Eusébio após a derrota com a Grécia (Arquivo ASF)

Fora das quatro linhas, o desalento era visível, por parte de uns, menos...

Adeptos visivelmente desiludidos (Arquivo ASF)

...e de outros, mais...

A evidente tristeza de uma adepta portuguesa (Arquivo ASF)

Uma final que, como contou Scolari anos mais tarde, foi surpreendente para todos. «Como todos os portugueses, não esperava perder essa final para a Grécia, mas ninguém sentiu essa derrota como eu e lembrar-me-ei dela para sempre», afirmou, em declarações à RTP.

O antigo selecionador afirmou, em 2019, em entrevista ao Diário de Notícias, que a derrota permitiu crescimento português. «Foi uma semente que foi lançada para os bons resultados que Portugal atingiu. O público entendeu, as pessoas em Portugal entenderam... podemos dizer que o país entendeu. A seleção portuguesa continuou a trabalhar fortemente e de forma séria como nós o fizemos naquela altura, e conseguiram depois os resultados que atingiram nos anos seguintes», afirmou Felipão.

Uma mensagem que pode servir para dar algum alento à pesada derrota, não no jogo jogado, mas no significado. Há 20 anos, Portugal jogou a primeira final de uma competição de seleções da sua história. Em casa. Frente à Grécia. E perdeu. E, possivelmente, foi graças a essa experiência que, 12 anos depois, voltou a jogar uma final de um Campeonato da Europa. Frente ao anfitrião. Sem ser favorita.

E ganhou.

Éder e um pontapé que ficou para a história (Foto: Miguel Nunes)