Opinião Sérgio Conceição - Opinião de José Manuel Delgado
Sérgio Conceição só faz o que faz em Portugal, porque pode. Porque as consequências são apenas cócegas ligeiras. Já na UEFA...
Quem quer respeito, dá-se ao respeito. E esse é um dos problemas do futebol português, que, demasiadas vezes, deixa que o espezinhem e gozem com ele, por não se dar ao respeito.
Sérgio Conceição, que em condições de meios pouco favoráveis, tem sabido maximizar o rendimento dos jogadores às suas ordens, é um bom exemplo, para a situação em análise.
Expulso ontem, pela 24.ª vez na carreira, na final da Supertaça, após uma reação que não deixou ao árbitro alternativa (e num lance em que a decisão de Luís Godinho, ajudado exemplarmente pelo VAR, João Pinheiro, foi inatacável), poder-se-á pensar, à primeira vista, que Sérgio Conceição é um caso perdido de descontrolo, que tem um mau feito que manda nele, que ferve em pouca água, e explode com pavio curto. Mentira. Sérgio Conceição sabe controlar-se, medir as palavras, e não discutir a autoridade dos árbitros. Se não fosse assim, não teria o registo imaculado que apresenta na UEFA. Estaremos então na presença de um Dr. Jeckyl e Mr. Hyde, médico ilustre e civilizado nas competições europeias, e monstro na cena nacional? Sofre Sérgio Conceição de dupla personalidade, que o leva a ter comportamentos tão díspares, em situações em que, para o bem e para o mal, deveriam merecer-lhe reações semelhantes?
Nada disso. Em Portugal, Sérgio Conceição faz o que faz – e ontem, em Aveiro, terá sido a cereja no topo do bolo – porque pode. E pode porquê? Porque os regulamentos são pífios, as suspensões são brincadeiras de mau gosto, e as multas não chegam, sequer, para fazer-lhe cócegas. Com tudo isto, a autoridade dos árbitros, que não são apoiados nas suas decisões, do ponto de vista da sanção a que a elas corresponde, por um regulamento disciplinar eficaz, fica diminuída até à irrelevância, com todos os males que daí advêm.
Mas na UEFA, onde os castigos são a sério, Sérgio Conceição arrepia caminho, e comporta-se de forma civilizada, mesmo quando tem razões de queixa, justas, ao contrário do que sucedeu ontem (estou a lembrar-me de um jogo no Etihad, frente ao City...), da arbitragem. Ou seja, o treinador do FC Porto é capaz de controlar-se e sabe manter a correção perante a adversidade, não se trata, pois, de nenhum caso perdido, estamos apenas perante alguém que, em Portugal, faz o que faz porque sabe que as consequências são para rir, enquanto que a UEFA corta a direito.
Imagine-se que o que aconteceu ontem em Aveiro com Sérgio Conceição, dos insultos aos gestos, terminando com a recusa formal de sair do campo, na sequência do cartão vermelho que lhe tinha sido mostrado, tinha sucedido na primeira jornada da fase de grupos da Liga dos Campeões. Quantos jogos apanharia, e qual a multa a que seria sujeito? Agora é só esperar pela sanção nacional, para não só constatarmos da sua irrelevância, a que acrescerá a dúvida quanto ao momento do cumprimento dessa punição, tantos são os recursos e os expedientes dilatórios à disposição.
Uma nota final: a culpa não é dos juízes das varias instâncias, que se limitam a aplicar os regulamentos vigentes. A culpa é de quem faz esses regulamentos, que coloca o futebol português na situação acima identificada: Quem não se dá ao respeito, não é respeitado.