Porque temos ainda de falar de Bruno Fernandes?

OPINIÃO18.04.201901:51

Na minha vida vi grandes jogadores em ação. Eusébio, Figo, Ronaldo, sempre os nomes que vêm à cabeça de qualquer um. Mas vi mais, talvez menos falados internacionalmente, mas com um sentido de jogo fantástico. Toni, Manuel Fernandes, Chalana, Futre, Rui Costa, Paulo Sousa, João Vieira Pinto, Jardel, Liedson e mesmo guarda-redes como Carvalho, Damas, Baía, para não falarmos dos velhos Schmeichel e Preud’homme que ainda salvaram muitas vezes o Sporting e o Benfica, para além de grandes defesas, dos que evitavam golos e secavam os atacantes. Sem querer ser exaustivo, Hilário, Vicente, Germano, Humberto Coelho, Beto, Polga e perdoe-se-me a eventual predileção pelo Sporting e os que ficaram esquecidos. Propositadamente não falei dos que ainda jogam, salvo a exceção, que em tudo é excecional, de Ronaldo.
Também vi muitas promessas que jamais se concretizaram. Recordo uma, de há muitos anos que fez rolar muita tinta. Era Carlitos, que depois de uma acesa disputa com o Belenenses (já houvera a célebre entre Sporting e Benfica, que envolveu uma espécie de rapto do jogador, à volta de Eusébio) assinou por Alvalade, em 1964. Marcou quatro golos; nenhum no ano seguinte e mais três até ao fim do contrato, tendo sido convocado apenas para seis jogos no último ano. Depois foi para a Sanjoanense. Recordo que no Campeonato do Mundo sub-20 de 1991, em que Portugal foi campeão, Peixe foi considerado pela FIFA o melhor jogador, numa seleção de que faziam parte Rui Costa e Figo entre outros que mais tarde se distinguiram. A carreira de cada um deles conhece-se e eu só tenho uma explicação para Emílio Peixe (que jogou no Sporting, Sevilha, Porto, Benfica e acabou emprestado à União de Leiria) ter uma carreira muito mais humilde do que Rui Costa (Benfica, Fiorentina, Milan e Benfica outra vez) e do que Figo (Sporting, Barcelona, Real Madrid e Inter, tendo sido considerado em 2001 melhor jogador do mundo, quando era do Real).

É preciso ter cabeça…

Aexplicação é que é mesmo preciso ter cabeça. Não se deslumbrar, ter medida das proporções, não querer viver a vida toda em 15 dias, persistir, treinar, querer vencer. São estas as qualidades que fizeram e fazem falta a muitas possíveis vedetas. São responsáveis por isso também os agentes que os endeusam. João Félix é fantástico… mas 120 milhões de euros, por amor de Deus! Quanto não valeria Bruno Fernandes? E aqui volto ao ídolo oficial desta página. Quando afirma, referindo-se a ele próprio, que não devia valer 100 milhões (a cláusula de rescisão que o Sporting lhe colocou), mostra uma inteligência aguda. «É exagerado - disse. Nenhum jogador devia valer isso. Se eu valho isso, o que podemos dizer dos melhores do mundo, que são Messi e Ronaldo? A que preço os clubes estariam dispostos a vendê-los?». E acrescenta que ter passado de 60 para 100 milhões, nesta época em que tem sido fantástico, é, no fundo, igual, porque o difícil é alguém dar 60 ou mais milhões por um jogador de um campeonato que nem sequer é considerado competitivo. E, voltando à inteligência que se lhe conhece referiu que, de qualquer modo, é um motivo de orgulho sentir que o clube o valoriza daquela maneira, referindo que era até o jogador mais valorizado em Portugal, tendo sido agora ultrapassado por Félix.
Bruno contou várias histórias interessantes numa entrevista à Sport TV da qual todos os jornais desportivos fizeram eco. Desde comprar uma máquina de barbear para Borja, compreendendo que um jogador que chegou de outro país e fala outra língua não se sente à vontade (ele próprio teve essa experiência em Itália), até dizer que depois de ter rescindido com o Sporting, após o assalto a Alcochete, tinha tido propostas de Inglaterra, mas não se sentia preparado, tudo nele é bom senso.

…e é preciso ter pés

Claro que é obrigatório ter pés, visão de jogo e cabeça - no sentido em que é necessário saber cabecear, como Bruno fez no jogo contra o Aves, ao marcar o terceiro do Sporting. O facto de, com 16 golos, estar a dois de ser o português que mais marcou no Campeonato Nacional desde o início deste século (igualando Simão Sabrosa em 2002/2003 e Nuno Gomes em 1999/2000), mostra de que massa é feito. Se aos golos somarmos as assistências, 14 nesta época, temos o retrato de um jogador de exceção. Mais: no total de provas, ultrapassou a marca europeia de Frank Lampard, dado que o golo nas Aves que foi o 28º ( contando Liga, Taças e Europa), derrubou o recorde de 2010 do antigo médio do Chelsea e do City.
A sua aposta com o presidente do Clube, Frederico Varandas, também está a ser cumprida. Informou há dias este jornal que ele tinha prometido ao presidente não ser excluído por amarelos. Na verdade, desde 3 de fevereiro que não vê a cartolina, há nove jogos, portanto. Recorde-se que nesse dia 3 de fevereiro o Sporting teve o péssimo resultado em casa face ao Benfica, perdendo 2-4.
É por tudo isto que é necessário falar de Bruno Fernandes. Por ser o jogador que é com apenas 24 anos (25 no próximo dia 8 de setembro); por ter a inteligência prática e emocional que vem demonstrando; e por tantas vezes o Sporting, que está bastante melhor do que lhe vaticinaram no início da época, ser ele e mais 10 (ou como alguém disse na brincadeira, depois do último jogo em que Renan foi expulso aos quatro minutos, ele e mais nove). Por, como escreveu ontem André Pipa o BF8 ser o mais próximo que temos de Ronaldo, o provável futuro líder da seleção.
O que lhe irá acontecer no fim da época? Partirá para outro clube no estrangeiro (Man United, PSG, Arsenal, Milan e Juve, segundo informava ontem A BOLA, andam interessados)? Ou continuará a ser o patrão do Sporting, o capitão incontestado da equipa? Não faço ideia, e penso que ambas as soluções podem ser virtuosas, tudo dependendo do modo como ele ficar ou for vendido. Mas, para já, existe uma certeza: temos, hoje, um jogador muitas vezes melhor do que aquele que veio da Sampdoria em 2017. E, acaso não tivesse havido a desgraça de Alcochete e ainda pudéssemos contar com Gelson, William e Patrício, tenho quase a certeza que na frente do Campeonato não estariam nem Porto nem Benfica.