O gato!

OPINIÃO15.11.201900:52

Na semana em que a Seleção Nacional joga, como se sabe, as últimas fichas na qualificação para o Euro-2020, como não podia deixar de ser o assunto principal foi Cristiano Ronaldo, exatamente por se tratar de Cristiano Ronaldo, melhor jogador do mundo, capitão da Seleção portuguesa e maior símbolo do desporto nacional.
Supondo, com algum esforço, que não havia razão para se falar de um qualquer caso Cristiano Ronaldo, então passou a haver depois do que disse esta semana o selecionador Fernando Santos. E explico.
Alguém compreende porque se irritou tanto com o tema o selecionador nacional na conferência da véspera deste jogo com a Lituânia?
Não foi o treinador da Juventus, Maurizio Sarri, que falou de «pequenos» problemas físicos de Cristiano Ronaldo?
Será Maurizio Sarri louco ao ponto de substituir o jogador só por lhe ter apetecido, num jogo tão difícil como o que estava a ser o confronto do último domingo da Juventus com o Milan?
Que alguma coisa parece não estar totalmente explicada em todo este caso, creio que é cada vez mais evidente. No limite, podem até os adeptos questionar: porque não o explica o próprio Cristiano Ronaldo?
 
FERNANDO SANTOS irritou-se com o tema e confesso que não consigo compreendê-lo. Tento mas não consigo. Afinal de contas, foi o outro treinador de Cristiano Ronaldo, no clube que lhe paga, que veio anunciar publicamente que o jogador se tem debatido com um «pequeno problema no joelho». Não foram os jornalistas que o inventaram.
Se alguém com as responsabilidades de Maurizio Sarri fala num problema com o melhor jogador do mundo, capitão da Seleção e maior símbolo do desporto português, é natural que os jornalistas nacionais questionem o selecionador sobre o assunto, como os jornalistas italianos questionaram, naturalmente, o treinador da Juventus.
O que não é normal é o selecionador português irritar-se com o tema, passar uma espécie de atestado de menoridade aos que o questionaram - e a todos os outros - com afirmações do tipo «se fosse com outro jogador não se falaria tanto» (como é óbvio, senhor selecionador!), ou «toda a gente gosta de dar palpites sobre Cristiano Ronaldo», como se o «toda a gente» fosse responsável pelo que disse, em Itália, o treinador de Ronaldo no clube que lhe paga.
Nem consigo entender o fundamento destas afirmações do selecionador, a não ser no contexto de algum desconforto com a questão.
Se queria evitar falar do tema, Fernando Santos tinha certamente formas mais simpáticas de o fazer. Mas escolheu, creio, a pior de todas.
 
RELEMBREMOS os acontecimentos: na quarta-feira, 6 de novembro, Cristiano Ronaldo é substituído por Dybala, aos 81 minutos da partida com o Lokomotiv de Moscovo, a contar para a Liga dos Campeões. Sai com cara de poucos amigos, é verdade, mas fica no banco e, no final, ainda se mostra feliz e a sorrir, na celebração do triunfo, conseguido graças a um golo de Douglas Costa.
Na sala de imprensa, o treinador de Ronaldo no clube que lhe paga explica aos jornalistas:
- Ele estava chateado porque não estava bem. O adutor [da coxa] não estava muito bem e estava a criar-lhe problemas. Num sprint dele, vi um movimento que não gostei e decidi tirá-lo.
Quatro dias depois, Cristiano prepara-se para defrontar o Milan. No aquecimento, e pelas imagens televisivas que nos chegam, é possível vê-lo com um adesivo (a que, no futebol, chamam tape, que funciona como anti-inflamatório) no joelho, creio que direito. Joga de início, mas volta a ser substituído por Dybala, agora um pouco antes de se concluir a hora de jogo com o Milan, no Giuseppe Meazza. Desta vez, Cristiano não fica para celebrar com os companheiros o dificílimo triunfo final, conseguido graças ao golo do argentino que o rendeu.
Na sala de conferências, o treinador de Cristiano Ronaldo no clube que lhe paga dá, agora, explicações um pouco mais detalhadas:
- Temos de agradecer a Ronaldo, pois sacrificou-se para estar aqui esta noite numa situação difícil. Fez tudo o que lhe era possível para jogar. Em situação semelhante, outros não se mostrariam disponíveis. Mas constatei que não estava bem e achei melhor tirá-lo. É natural que um jogador esteja irritado quando sai de campo, especialmente quando trabalhou tanto para ali estar. Quem tenta dar o máximo fica chateado quando é substituído. Eu ficaria preocupado era se ele não estivesse aborrecido. Tem vindo a debater-se no último mês com um pequeno problema no joelho. Sofreu uma pancada num treino e magoou o ligamento colateral. Quando joga ou se treina a uma alta intensidade, o problema desequilibra-o. Tenta compensar e magoa os gémeos e os músculos da coxa.
 
BEM sei que Sarri é uma espécie de treinador fora da caixa, napolitano da cabeça aos pés, com uma imagem que contrasta em absoluto com a de cavalheiro aprumado que tem o seu antecessor na Juve, Massimiliano Allegri.
Mas foi Maurizio Sarri o escolhido pela poderosa estrutura da Juventus para treinar entre outros, o melhor jogador do mundo, que custará ao clube, só em salários, talvez mais de 50 milhões de euros por ano, e sendo, naturalmente, responsável, é, no mínimo, muito difícil de aceitar que Sarri tenha dito o que disse apenas por qualquer eventual conflito (ou ter entrado alegadamente em choque) com Cristiano Ronaldo.
Seja como for, foi Sarri que disse o que disse, não foram os jornalistas.
Se, porventura, o assunto se tornou, por qualquer razão, incómodo, e o selecionador tinha de o tentar evitar, então no mínimo não o devia ter tratado como se fosse uma espécie de especulação barata de quem apenas gosta de dar «uns palpites sobre Cristiano Ronaldo». Fica-lhe mal.
E dá realmente a ideia de alguém estar a querer esconder o gato deixando, porém, o rabo de fora!
NÃO posso, evidentemente, saber se Cristiano Ronaldo tem ou não alguma limitação física. Sei o que toda a gente viu, que pareceu em perfeitas condições de jogar, e bem, como o fez ontem com a Lituânia - e esperemos que o possa fazer também, domingo, no Luxemburgo - e ouvi-o ainda dizer, através da RTP, que está bem, o que, com todo o respeito, não desmente necessariamente o treinador que tem no clube que lhe paga.
Também julgo saber que Cristiano é implacável e conhece o próprio corpo como ninguém, e que se eventualmente sentir alguma limitação saberá como geri-la, com maior ou menor dificuldade, sem correr demasiados riscos, como fez, por exemplo, em 2014, quando, nas semanas anteriores à fase final do Campeonato do Mundo, se confirmou que sofria de um «pequeno problema» no tendão rotuliano.
Agora, parece fácil concluir que a existir qualquer limitação física num dos joelhos de Cristiano ela está evidentemente longe de o impedir de competir ou mesmo de o diminuir significativamente em campo.
Como sempre, porém, só o tempo dirá se ainda irá a Juventus ter eventualmente de agradecer a Ronaldo por se sacrificar ou se irá Cristiano Ronaldo eventualmente ter de agradecer a Sarri por o ter ajudado a poupar-se.
Enquanto isso, talvez devesse Fernando Santos, em casos como este, compreender melhor o papel dos jornalistas e, já agora, deixar de fingir que não sabe que quanto mais importante se é, mais se é falado.
É a vida!
 
PS - Cristiano Ronaldo somou ontem mais três golos aos 95 que já tinha na Seleção Nacional e está agora, portanto, apenas a dois de um registo absolutamente incrível numa seleção europeia, os 100 golos! Fez três à fraca Lituânia mas podia perfeitamente ter feito cinco ou seis. Voltou a parecer-me que melhora com a presença de um jogador que funcione como referência de área - como foi, agora, o caso de Gonçalo Paciência, e podem ser também André Silva ou Éder - e não deu na verdade ideia de estar com algum problema físico, pelo menos complicado. Foi substituído a dez minutos do fim.