Futebol feminino: Pés de barro
'Jogo bonito' é o espaço de opinião quinzenal de Raquel Sampaio, agente FIFA
Vivemos tempos desafiantes, vorazes. Em que quase não temos tempo para refletir, para perceber o porquê das coisas. Gosto de ter os pés bem assentes e perceber o que me rodeia, sendo certo que sou de ideias firmes e luto até ao fim pelas minhas convicções. O futebol feminino e tudo o que o envolve é uma das minhas paixões. Tem crescido de forma incomparável, apresenta números antes difíceis de imaginar e tem espaço para continuar a progredir.
Mas, por vezes, dou por mim a pensar se todo este crescimento é sustentado, se acontece porque efetivamente há vontade em apostar no seu desenvolvimento, em proporcionar às mulheres as mesmas condições que são oferecidas ao futebol masculino… ou se todo este fenómeno mais não passa de uma moda, como outra qualquer, neste caso porque talvez seja bonito mostrar que somos uma sociedade inclusiva. Dou comigo a pensar se não estaremos a criar um gigante com pés de barro.
Comecei a divagar neste rumo depois de ler os resultados de um recente estudo/inquérito intitulado O Impacto Acumulado no Futebol Feminino, efetuado pela VISA, que prevê que o valor comercial do futebol feminino possa vir a aumentar seis vezes na próxima década, apontando que os adeptos do futebol feminino têm maior poder de compra e gastam mais 71% em merchandising desportivo e mais 41% em entretenimento, prevendo, também, que o Euro-2025 seja o maior torneio de sempre nesta modalidade. O que não deixa de ser um contrassenso, tendo em conta que depois de ter garantido a competição para o seu país, o governo suíço tenha anunciado um corte nas verbas de organização de €16,1 M para €4,7 M.
Se por um lado fica bem apostar-se numa grande competição e dizer-se que vai ser a melhor de sempre, por outro corta-se no seu financiamento para satisfazer os críticos do despesismo. É apenas um exemplo. Há outros, até mais perto de nós. Na nossa Liga aposta-se em tecnologia, na obrigatoriedade (e bem) de jogar em campos relvados, mas deixa-se de lado a fiscalização desses mesmos relvados ou das condições em que muitos estádios se encontram. Diz-se que se leva muito a sério a aposta no feminino, mas penaliza-se quem pensa fora da caixa, quem clama por uma Liga profissional, como outros países já têm; e até mesmo entre os ditos grandes só quando o rei faz anos é que se levam as equipas para os palcos principais, mesmo em competições que podem dar notoriedade internacional.
Mas, se calhar, sou apenas eu a divagar…