Desigualdade racial no futebol: mito ou realidade?
O ‘problema’ persiste, é cultural e chama-se racismo. Acredito que mais ou menos consciente ou racional, mas existe
Estimativas recentes parecem confirmar o que já sabíamos: o futebol é o desporto mais popular do planeta, com cerca de trezentos milhões de praticantes no ativo.
Nesse universo imensurável, cabem meninas e meninos, graúdos e velhinhos. E cabem pessoas de todos os estratos sociais, de todas as raças e religiões, de todas as cores e feitios. É uma gigantesca aldeia global que une tanta gente diferente à mesma paixão.
Essa característica é aliás uma das razões da sua força maior. O futebol é um fenómeno sem paralelo, uma ponte com poder para ligar a humanidade pela via da igualdade. É ou, pelo menos, devia ser.
O crescimento social da intolerância tem-se refletido também no desporto, através de atitudes sucessivas que todos queremos ver rapidamente banidas. Não é à toa que a essa é uma das maiores lutas da FIFA na atualidade.
Não obstante as várias ações pensadas no sentido de impedir o aumento do flagelo, a verdade é que continuamos a assistir a demasiados episódios negativos, sobretudo no futebol. Convenhamos, a maioria com raízes bem mais profundas (de natureza sócio-económica, política, religiosa, etc) do que o mero mau perder.
É mais ou menos comum lermos notícias sobre «imitação do som de macacos» a ecoar das bancadas ou sobre bananas arremessadas para o interior de relvados e pavilhões (não tanto por cá, felizmente).
Mas mais preocupante do que casos pontuais de racismo protagonizados por gente sem eira nem beira, é outra realidade. Uma que não se fala tanto, mas cujos números dizem tudo o que há para dizer: são muito poucas, pouquíssimas as pessoas não brancas que ocupam lugares de decisão ou funções executivas no futebol moderno. Já pensaram nisso?
Se olharmos apenas para as maiores ligas europeias, veremos que há uma quantidade enorme de jogadores de todas as raças a desfilar talento nos relvados (o que é excelente), mas por ao nível do treino ou do dirigismo a realidade é completamente diferente.
O futebol evoluído, o mesmo que combate ferozmente a desigualdade racial (muito bem) parece dizer-nos que o talento da técnica e do músculo, o que obedece e executa, pode e deve ser multidisciplinar, mas depois nem todos evoluem (ou têm oportunidade de evoluir) para o talento que treina, que dirige ou que preside a qualquer coisa.
Porque é que há jogadores que, no pós-carreira, fazem o percurso expectável, passando para a área do treino ou da direção desportiva e há outros, tão ou mais talentosos em campo, que raramente ocupam esses cargos?
Há não muitos anos, em todos os clubes das chamadas Big Five, apenas um era treinado por uma pessoa de raça negra. Um! Hoje confesso que não sei - preferi não me dar a esse trabalho - mas deixo o repto a quem quiser verificar.
De novo, nada de muito diferente do que acontece cá fora, por exemplo, ao nível empresarial. Em quase tudo o mundo ocidental - e por cá também, diga-se de passagem - mais de 90% dos cargos executivos de médias e grandes empresas são ocupados por pessoas de raça branca, o que no nosso caso até é paradoxal, tendo em conta a ligação histórica que temos ao continente africano.
As maiores empresas, as mesmas que promovem ativamente a diversidade étnica, olhando «apenas para o currículo e competência», parecem padecer do mesmo síndrome.
Sejamos sinceros. O problema persiste, é cultural e chama-se racismo. Acredito que mais ou menos consciente, mais ou menos racional, mais ou menos voluntário, mas existe. E se continuamos a ignorá-lo e a preferir não vê-lo, como esperamos erradicá-lo no jogo que tem mais adeptos no mundo?