OPINIÃO O crescimento do racismo
'O poder da palavra', por Duarte Gomes
Não é novidade para ninguém que as manifestações de intolerância crescem um pouco por todo o lado. O nível de saturação das pessoas está por estes dias em patamares estratosféricos. O aumento do custo de vida, a falta de reconhecimento profissional, a incapacidade de gerar riqueza, o acumular de dívida, a pressão pela perfeição ou o aumento da criminalidade são apenas alguns dos muitos fatores que levam ao desespero, à vontade de mudar e ao desejo de soluções milagrosas que mudem o estado das coisas.
É quase sempre esse tipo de sentimento que dá força a perigosos movimentos extremistas — muitos camuflados sob a capa de partidos políticos —, que baseiam a sua estratégia em discursos populistas, orientados para o coração dos mais revoltados, prosseguindo uma agenda que a humanidade sabe ser pior, muito pior, do que qualquer má democracia que por aí ande.
É também esse tipo de sentimento que muitos acabam por levar para dentro dos recintos desportivos, tornando-os palco de momentos horríveis, capazes de envergonhar qualquer ser humano decente e mentalmente equilibrado.
Só no passado fim de semana a Championship e a Liga Italiana testemunharam atos racistas inaceitáveis em pleno século 21.
Os tempos da escravatura e do apartheid já lá vão e ouvir a reprodução do som de macacos (foi exatamente o que aconteceu em Sheffield e Udine) pela voz de alguns adeptos é apenas inqualificável.
A sociedade tem que aprender a banir comportamentos deste calibre, capazes de gerar rebeliões e de dividir ainda mais uma humanidade a viver tempos desafiantes.
No caso do desporto — com o futebol à cabeça — a solução passa obrigatoriamente pela punição exemplar dos autores materiais mas também do clube a que pertencem, se o crime for cometido dentro das suas instalações.
Por exemplo, adeptos do Sheffield Wednesday entoaram cânticos racistas no seu estádio para Kasey Palmer (do Coventry): o clube devia ser penalizado. Fortemente. Exemplarmente. Porque o que acontece dentro da casa de cada um, é também responsabilidade do dono da casa.
E pode ser que aí o dono da casa passe, ele próprio, a desempenhar papel crucial na limpeza que se impõe. Pode ser que aí o dono da casa adote medidas mais firmes para afastar todo e qualquer tipo de adepto, atleta, funcionário, técnico ou até dirigente que tenha comportamentos de intolerância dessa magnitude. A pior coisa que o dono da casa pode fazer é fazer de conta que nada aconteceu ou, mais grave, tentar desvalorizar, branquear, justificar. O crime enfrenta-se sem medos. Os criminosos também. É isso ou derrota(s).
Claro que, sozinhos e para além do varrimento intramuros, não há muito mais que possam fazer (embora programas educativos para todos os seus colaboradores e adeptos também ajude a cumprir o objetivo).
É preciso que as estruturas que gerem as modalidades, em conjunto com os fazedores de leis e governos respetivos, continuem a trabalhar para erradicar condutas potenciadoras de desigualdade e conflito: as multas, as suspensões, derrotas e penas a aplicar têm que ser pesadíssimas, porque só essas terão efeito dissuasor. Quem for acusado, para além da sanção desportiva e/ou penal a cumprir, devia ser obrigado a participar em programas antirracismo, antixenofobia (etc.) e a fazer muitas horas de terapia e de trabalho cívico. É fundamental que percebam a mensagem, que sintam na pele a dimensão da conduta.
E, obviamente, é também importante continuar a investir na educação e sensibilização das pessoas, sobretudo dos mais novos. O papel de campanhas de consciencialização é crucial para que o antes evite sempre o depois. O que não pode continuar a existir (sobretudo no desporto) é humanos a tratarem humanos, seus iguais, como se fossem animais. Um nojo.