Benfica: tocar a reunir
'Visão de golo' é o espaço de opinião semanal de Rui Águas, ex-internacional português e treinador
Recentrar prioridades é algo urgente a que os clubes grandes, que têm muitos jogadores nas seleções, estão obrigados. Trabalho de recuperação e avaliação física individualizada é com as equipas técnicas, porque todos os atletas são diferentes, verdade que convém não ignorar.
A Taça de Portugal mostrou uma equipa do Benfica refeita depois da pausa internacional, contra uma outra do Estrela da Amadora especificamente preparada para a eliminatória. O resultado final do confronto viria, no entanto, a expor severamente a diferença de poderio entre os plantéis, mesmo com níveis de preparação bem opostos.
Objetivo claro do Benfica nestas circunstâncias era entrar forte para decidir rápido, se o adversário estivesse de acordo, e esteve. Era importante resolver cedo para gerir a equipa, tendo em conta o próximo e decisivo confronto europeu. É um verdadeiro privilégio apreciar um Di María fresco e ainda por cima inspirado, que cedo expôs a fragilidade alheia. Aursnes e Bah, fiéis escudeiros da estrela da noite, criaram a avalanche inicial pela direita, que desde logo decidiu o jogo. A rematar a goleada, um Arthur Cabral finalmente feliz e em duplicado, depois de muito suar e falhar. Fez bem por merecer. O final do jogo veio com os objetivos atingidos. Gestão inteligente e confiança reforçada. Daqui a pouco há um Mónaco forte pela frente. Reafirmação pontual na Europa procura-se. Solidez com personalidade e ambição poderá ser uma boa receita.
HERANÇA
Mudar de treinador é, na grande maioria das vezes, uma imposição dos clubes. Como sabemos e foi assunto nacional, Ruben Amorim primou também aí pela diferença. Quer na chegada que foi paga, quer comprado na partida, acabando por determinar até quem seria o seu sucessor. Um verdadeiro fenómeno!
Qualquer que fosse o substituto, será sempre uma tarefa complexa a transição entre pessoas naturalmente diferentes, ainda mais quando quem parte deixa saudades até nos adeptos rivais.
Claro que a responsabilidade e o desafio são grandes. Herdar a liderança de uma equipa que segue na frente e que joga bem, é como receber uma flor de presente mas ter que a regar com apurado critério. Será um desafio muito exigente para o novo jovem líder, mesmo que seja uma aposta ao que dizem já preparada no tempo.
E agora? Repetir a receita sim, dentro do possível com as mesmas peças, mas o motor da máquina é sempre o principal. É o líder que dá corpo às peças e o que normalmente faz a diferença. Recriar o estilo de Amorim? É melhor não tentar... Estar identificado por certo com a metodologia antes seguida é positivo, mas será suficiente?
Esta transição, pelo momento da equipa e pela novidade, poderá ter um início menos complicado. Na continuidade será então escrita a história decisiva desta invulgar e inédita operação.
A expectativa é grande e será um desafio de João Pereira pela emancipação nacional e ao mesmo tempo, naturalmente, a indisfarçável esperança das equipas rivais que as coisas possam mudar...
Do lado dos concorrentes, por certo um misto de admiração por quem parte mas também de alívio por esse desenlace.
Poderá o campeonato aproximar candidatos?
FOLCLORE
A intolerância aguda é talvez a mais grave patologia da sociedade atual. Bem português o ruído destemperado que uma não substituição consegue provocar nas mesas dos nossos cafés, com uma boa dose de clubismo a compor a festa. Considerado um verdadeiro escândalo um jovem de 17 anos dar-se ao incómodo de viajar, coitado, e não participar no último jogo da nossa Seleção Nacional. Como é possível um selecionador cometer tal atrocidade? Não custava nada ser simpático e popular...
Vivemos épocas de crítica fácil e procura desesperada de temas que inflamem a rapaziada mais suscetível. Muita da sabedoria popular que se esbanja por pouco.
Quenda tem um talento inegável, todos o sabem e fará carreira, mas mesmo muito jovem deve procurar relativizar a histeria alheia e não deixar-se ir com ela.