Águia vai ganhar à crise

OPINIÃO08.02.202206:00

Rui Costa tem a chave da solução, mas deem-lhe tempo para recolocar o Benfica na rota das conquistas. Pelo menos confiem na sua palavra. É o mínimo que se pede

R UI COSTA esgotou a paciência e descarregou a sua irritação depois do jogo com o Gil Vicente, na Luz. Não sei se fez bem ou mal, quer na oportunidade,  na sequência de mais uma descolorida exibição da equipa de futebol,   quer no tom da intervenção, em que se notou incontida revolta,  quer no conteúdo, direcionado a  vários destinatários. Compreendo, no entanto, a sua reação, na medida em que, para quem foi eleito apenas há quatro meses, na assembleia mais participada de sempre na história do Benfica, não deve ser fácil  suportar o ruído de uma minoria oportunista que muda de rótulo consoante as conveniências de ocasião, sem se dar conta que o universo benfiquista  não se deixa iludir e já deu respostas inequívocas de rejeição  desta estratégia desestabilizadora, a última delas em outubro do ano passado.
A atração pelo poder é incontrolável, não para os figurantes  que se prestam a tristes papéis  mas para as figuras com sonhos de grandeza e que outra coisa não sabem fazer se não atirar pedras a quem preside à instituição na esperança de se sentarem um dia no cadeirão de sonho. Foi assim no passado recente, quando pressentiram o colapso de Luís Filipe Vieira, continua a ser assim no presente, quando procuram impedir Rui Costa de ter paz para escolher o seu caminho.
Esta divisão na família da águia, apesar de criticável e desagradável, reflete, porém, um sinal de vitalidade interna e é prova indesmentível de que, afinal, o Benfica não está tão mal quanto se apregoa. Pelo contrário, já se percebeu que a crise de resultados e a barulheira por ela suscitada não fazem desistir quem quer controlar o emblema da águia, custe o que custar. 

Opresidente benfiquista desceu ao balneário para  desabafar e aliviar a alma. Desconsolado pela sucessão de reprováveis  desempenhos da  equipa  e pela ineficiência de uma estrutura que ninguém sabe o que é nem como funciona, teve de ser ele a dar o peito às balas. Exigiu a todos os profissionais, dentro e fora do campo, que não se escondam, sabendo muito bem o que quis dizer e quem quis atingir, no pressuposto de gravitar  por ali gente sem merecer o que ganha. No calor da indignação, porém,  Rui Costa entrou em campo minado ao referir-se a eventuais erros de arbitragem. Passaram já alguns dias, mas deve preparar-se para a resposta na volta do correio porque a APAF, desde que se transformou em  sindicato do pessoal do apito, não deixa escapar oportunidade para proteger o bom nome da classe e seus filiados, fazendo participações em série.  
Com as redes sociais a fervilhar, não deve proceder de modo diferente, apesar de, na minha opinião,  Artur Soares Dias, o melhor  árbitro português em atividade e o único  com a classificação de top class, o máximo na hierarquia europeia, ter cometido um erro grosseiro, com influência no resultado e de todo inaceitável em alguém com a sua qualidade e experiência. Admito que terá sido traído por excesso de convencimento na decisão,  uma leviandade só permitida aos melhores.
A propósito, recordei-me de uma outra situação, faz precisamente dois anos, num FC Porto-Benfica, em que ele inventou outra decisão igualmente com influência no resultado e com a particularidade de o prejudicado ter sido  também o Benfica, além de ter contribuído ainda para a desgraça de Ferro. Lembram-se?  O especialista Duarte Gomes, por respeito ao estatuto do árbitro luso internacionalmente mais qualificado, escreveu na altura, com mil cuidados, que, «na prática foi uma decisão ‘desportivamente injusta’», seja o que isso for, porque «houve uma mão nas costas do defesa, com respetivo desequilíbrio,  um cabeceamento na ‘queima’ e o facto, maior, de o central [Ferro], em nenhum momento, ter visto a bola partir».
Extraordinária esta intrigante bipolaridade em Soares Dias: ora se  destaca pela qualidade do seu trabalho, ora pela complexidade das decisões dúbias que toma, embora desta vez, com franqueza, tenha abusado na perversão do erro, dando mais ares de um top class da asneira. Por isso, rezam as notícias, o Conselho de Arbitragem colocou-o de castigo. Convém manter as aparências…

Oplantel da águia é reconhecidamente numeroso, caro e pouco empenhado. Uma realidade iniludível e que requer tratamento rápido e seguro. Não tenho uma resposta milagrosa, mas,  na minha posição de observador, sei que os maus costumes não são de hoje nem de ontem. Assim sendo, sugiro como primeira medida uma limpeza de balneário, tal e qual, entregando guia de marcha a quem por ali anda há tempo demasiado sem nada acrescentar de relevante e às contratações avulsas realizadas sem critério que podem ter proporcionado generosas comissões a quem as promoveu mas nenhum benefício trouxeram ao clube, apenas engrossando o lote de gente vulgar.
Romper com o comodismo é urgente. Acabar com grupos e grupinhos e cortar pela raiz qualquer foco de influência negativa no plantel são tarefas inadiáveis. Como se faz? Acredito que Rui Costa tem a chave da solução, mas deem-lhe tempo para devolver a estabilidade ao Benfica e recolocá-lo na rota das conquistas. Pelo menos confiem na sua palavra. É o mínimo que se pede.