Acontecimentos bizarros no estranho reino do futebol

OPINIÃO28.03.201903:00

Esperava ter uma semana tranquila, em que a ausência de jogos oficiais do Sporting me faria baixar a tensão (isto é metafórico, sou normotenso), quando me vejo praticamente em brasas com os dois jogos da Seleção. Por um lado, pela falta de acerto ofensivo, mais visível com a Ucrânia do que com a Sérvia; por outro pela inacreditável ausência de VAR em partidas para o Europeu de 2020. O VAR, está mais do que provado em Portugal e noutros países em que é utilizado, não acabando com todos os erros que possam ser (e são) cometidos, é um precioso auxiliar da verdade desportiva.

Contra a Ucrânia, apesar de 17 remates e 18 cantos, Portugal não conseguiu colocar a bola na baliza do adversário, e só pode queixar-se de si próprio e do guarda-redes Pyatov que, sobretudo num remate de André Silva, brilhou a grande altura. Já contra a Sérvia o escândalo foi monumental. Novamente André Silva viu um cabeceamento ser cortado com o braço. E, coisa estranha, como referiu Ronaldo, que viu o lance do banco, depois de o árbitro ter assinalado a marca de grande penalidade, o assistente, a 40 metros do acontecimento, levou-o a desmarcar. Ah! Mas esperem, o árbitro pediu desculpa a Fernando Santos, pelo que ficámos sem os três pontos, mas com uma vitória moral.

É precisamente por ser dos tempos em que ganhávamos sempre moralmente que não me conformo com estas habilidades. Não digo que o sr. Szymon Marciniak, vindo lá da Polónia, nos quisesse prejudicar. Mas tenho que afirmar que foi incompetente q.b. Isto não desculpa, porém, uma Seleção que nos dois jogos mostra vontade de vencer, remata mais de 30 vezes à baliza, e só consegue fazer um golo. Parece que voltámos ao tempo do futebol bonito, mas sem eficácia; quando Roy Hodgson (britânico que era selecionador da Suíça) dizia que Futre era capaz de fintar vários jogadores no espaço de uma cabina telefónica, mas depois não encontrava a porta de saída; como escreveu neste jornal Fernando Urbano, fomos especialistas em «jogo abstrato», ou seja cuja finalidade não é inteiramente apercebida pelo comum dos mortais.

Ronaldo, ganhos de secretaria e perda de leões

É verdade que ainda podemos ganhar à Ucrânia com um requerimento na secretaria. Acharia sempre indecoroso. Uma equipa que é campeã da Europa precisar da secretaria e do argumento do jogador mal inscrito para acreditar que vai à fase final, é uma vergonha. Por mim, dada a notícia (porque é notícia) calar-me-ia com o assunto. E prometeria aos adeptos que, fosse como fosse, mesmo descontando os dois pontos que ainda poderemos ganhar por essa via, seremos sempre apurados.

Outra forma de jogarmos melhor é alguém explicar aos jogadores que o facto de termos o melhor jogador do mundo não significa que todas as bolas tenham de lhe ser dirigidas. Ronaldo, que admiro como jogador, cuja atitude campeã é indiscutível, está sempre marcado, remarcado e trimarcado. Podem não acreditar, mas eu tenho testemunhas insuspeitas, que na final contra a França, quando Ronaldo se lesionou, proclamei no grupo em que me encontrava, que a partir dali teríamos mais hipóteses de ganhar. Os franceses deixaram de saber quem marcar. Bem sei que foi sorte, mas nesse fim de tarde até no marcador do golo (o improvável Éder) acertei. E digo e aposto que o golo de Danilo que deu o empate a Portugal, com Ronaldo em campo não teria sido. Porquê? Porque Danilo teria tendência a passar a bola a Ronaldo.

Não me interpretem mal. Ronaldo faz falta na Seleção e em qualquer equipa que o possa ter. A ideia é não jogar sempre para ele. O ponto é que ele não pode carregar às costas o fardo de ter de ser ele a resolver os jogos. É imperioso libertá-lo dessa responsabilidade e contar com outros jogadores, permitir que outros arrisquem.

Uma última palavra para o avançado do Braga que se estreou na seleção, Dyego Sousa. Na minha terra há uma frase que sintetiza a sua participação: é muito bom, mas para pouco presta. Estreando-se a titular não conseguiu convencer. Claro que isto não lhe tira o mérito da excelente temporada na nossa Liga.

E por último um lamento: com a lesão de Bruno Fernandes, que penso seria indiscutível no meio-campo ofensivo, o Sporting não teve representantes na Seleção. Há 20 anos, soube por este jornal, que tal não acontecia.

Mas que coisa é esta? Conversas mafiosas?

CÉSAR BOAVENTURA e Vítor Catão. Pelos vistos são figuras centrais do nosso futebol, de tal modo a gravação de uma elevada conversa entre ambos circulou pelos telemóveis e computadores como fogo em palha seca. Não faço ideia se estão ambos a mentir ou se um deles fala verdade, o que percebo é que ambos existem e tanto um como o outro têm ligações ao futebol. A linguagem que utilizam é muito próxima daquela utilizada nos filmes de Martin Scorcese (Goodfellas ou Tudo Bons Rapazes) e de Francis Ford Coppola (Godfather ou O Padrinho). Refiro-me a personagens que representam mafiosos. A melhor frase, do ponto de vista de um crítico de literatura ou mesmo de cinema, pertence a Catão. «Por que te estás a rir com ar de riso?». É uma frase de belo efeito, só comparável a uma fala de De Niro quando pergunta ao espelho (em Taxi Driver) «Are you talking to me?” (Estás a falar comigo?). E o diz por quatro vezes, tentando colocar um ar cada vez mais rufia e ameaçador.

Boaventura e Catão, que têm apelidos de heróis e santos antigos, são do pior que há no nosso futebol. Ou pode ser que um deles não tenha sido mais do que figurante nesta cena. Porém, é por haver cenas destas, que insisto que o chamado hacker Rui Pinto deveria ser levado a sério. Ontem mesmo, nestas páginas, Miguel Sousa Tavares insistiu nessa tecla. Tal como ele, não me interessa clubisticamente quem pode, ou não, ser apanhado na malha. Como Miguel, também não desconheço que provas obtidas por meios ilegais podem ser recusadas numa acusação, mas nada impede que se investigue, independentemente do material que Rui Pinto possa ter obtido. É pena que quem é aproveitado, em vários países da Europa, para acabar com as cenas mafiosas no futebol, seja em Portugal detido preventivamente com a acusação de… ainda não percebi bem qual, salvo a de violação de correspondência e coisas do género. Mesmo a tentativa de extorsão de que tanto se fala acabou resolvida por acordo entre Rui Pinto e os visados.

É triste, mas é o que temos.