OPINIÃO DE VASCO MENDONÇA A pior melhor geração de sempre
Selvagem e Sentimental é o espaço de opinião semanal de Vasco Mendonça, consultor de Marketing
À falta de melhor futebol, voltei a ser feito refém na pausa das seleções. Eu e os jogadores da equipa portuguesa, que, regra geral, continuam a mostrar a sua pior versão. Seria ingénuo esperar uma análise imparcial, por isso direi, certo de que os bons entendedores entenderão, que a única nota positiva desta pausa é mesmo o facto de nenhum atleta do Benfica ter sido sujeitado à tortura de pisar o relvado durante estes jogos. As exibições chegam a ser um tanto ou quanto revoltantes, pelo menos até me lembrar que não estou a ver o Benfica, e só a qualidade individual da Seleção Nacional vai salvando a honra do convento, mas não muito. Roberto Martínez tem conseguido um feito extraordinário, por muitos julgado irrepetível, tal foi o trauma a que fomos expostos com os últimos anos de Fernando Santos à frente da equipa.
Há uns meses, a propósito de um áudio bastante embaraçoso gravado sem autorização na garagem do Estádio da Luz, alguém reagiu a quente e sentenciou com estrondo: Bruno Lage já não era treinador do Benfica, mas só ele parecia não saber. Já passou tempo suficiente para sabermos o paradeiro dessa bola atirada para o pinhal por alguns comentadores. Os rumores da morte de Bruno Lage foram manifestamente exagerados e o embaraço só não foi maior porque o desmentido viaja sempre menos do que a mentira. Ainda assim, encontrei ali alguma utilidade. O espírito da afirmação ficou comigo, primeiro porque espero que essas pessoas deem a mão à palmatória sensivelmente daqui a dois meses, quando o Benfica se sagrar campeão nacional e vencer a Taça de Portugal. Depois, porque esperava encontrar um caso a quem a figura de estilo assentasse.
Se a sentença é vagamente ofensiva para Bruno Lage, que continua a fazer um trabalho competente, o mesmo não se pode dizer de Roberto Martínez, que — agora é a minha vez — já não é bem o selecionador nacional. Acontece que ainda ninguém lhe comunicou o fatídico destino. Não sei se é um segredo mal guardado e não me chamo Fabrizio Romano. Sei apenas que a ideia de um projeto de médio ou longo prazo liderado por Roberto Martínez deve fazer o novo presidente da FPF soltar uma gargalhada para dentro. Só por manifesta ingenuidade se pode pensar que alguém com a ambição de Pedro Proença encontra no atual selecionador alguém à sua imagem. Encontrou, isso sim, um funcionário no payroll que importará deixar cair com graciosidade.
Se isto não for apaziguador, comecemos pela evidência estatística simples segundo a qual nenhuma seleção comandada por um treinador estrangeiro venceu grandes competições internacionais. Poderia ser apenas um acaso escavado por analistas, até perguntarmos honestamente se algum cidadão português na posse das suas faculdades pensa que Roberto Martínez é a exceção que vai confirmar esta regra. Temo que o corolário seja inverso, mas é mais grave do que isso. Martínez não se limitou a descobrir a pior versão de cada um dos atletas convocados, para depois serem salvos por um Trincão atirado lá para dentro em modo Ai Jesus.
É injusto dizer-se que esta equipa não tem uma identidade, uma imagem clara que permanece na cabeça de quem a vê jogar. O problema é que essa imagem é de uma fealdade tal que não se limita a contrariar a expectativa do adepto de bom futebol. É um crime de lesa-pátria. Nada tenho contra espanhóis, mas, aqui chegados, devemos questionar até a real motivação de Martínez. Será um agente enviado pelas autoridades espanholas para nos subjugar ao mau futebol? De portugalidade inscrita no jogo, sobrou pouco, mas merece louvor a única coisa proverbialmente portuguesa nestes jogos da Liga das Nações: a forma como nos desenrascámos apesar dos muitos passos em falso até lá chegarmos.
As nossas gerações futebolísticas avançam como a educação dos nossos jovens no relatório PISA. A medo, por desconhecimento real do futuro e profundo trauma provocado pelas inúmeras desilusões, lá encontramos coragem para afirmar pela enésima vez que estamos perante a geração mais qualificada de sempre. Fazemo-lo mais para manifestar um resultado, para dizer que isso vale algo por si só. Só quem não trabalhou depois de estudar pensará que os estudos valem mais do que a jornada de lavoura que lhe sucederá, regra geral, salvo umas raras exceções dignas de aparecer no telejornal — uma imensa carreira contributiva destinada a gorar as nossas desmedidas expectativas, as que traçámos para nós mesmos e as que alguém determinou por nós.
É assim com a melhor geração de sempre do futebol português, que, como todos saberão se tiverem visto futebol em Portugal nos últimos 40 anos, é sempre a que vem a seguir. Em Portugal não nos limitamos a jogar futebol. Há sempre um grupo de futebolistas que parece sinalizar um avanço da espécie. O nosso futebol tem tiques que fazem lembrar a evolução do índice S&P 500, uma das certezas inabaláveis dos investidores nas últimas décadas. Como sempre, tudo depende da perspetiva. Vista a uma distância suficiente para avaliar os últimos 5 ou 10 anos, o índice dispara rumo à lua, abençoando os mais pacientes com a generosidade dos juros compostos. Talvez a seleção portuguesa prossiga essa trajetória e eu esteja a ver mal. Visto à lupa do que aconteceu nos últimos sete dias, o S&P 500 parece uma decisão da qual nos iremos arrepender. Talvez o tempo e os juros compostos deem razão a quem acredita neste grupo de jogadores, mas quer-me parecer que esta analogia só terá retorno quando alguém mudar o gestor de conta que nos tem vendido Credit Default Swaps.
Assim sendo, talvez algum amor extremoso se imponha. A partir de agora, eu, que vi as gerações anteriores e por muitas tenho verdadeira gratidão, mesmo que pouco tenham ganho, vou repor alguma verdade. É que essas gerações me deram uma coisa que esta não dá: um certo orgulho pateta de ser português e reconhecer qualidades essenciais nossas sempre que onze concidadãos entram num relvado. Esta seleção parece estar, como outras tantas antes de si, à beira de algo, mas esse algo é, por enquanto, tudo menos Portugal. E por isso apelidarei esta de pior melhor geração de sempre. Ao presidente da FPF, que era árbitro mas agora tem de marcar golos, peço que encontre uma solução airosa para este problema de termos uma seleção de futebol, mas não termos um país lá dentro. E até vou mais longe: não precisamos de ganhar sempre e também não temos que jogar bem cada minuto de cada jogo. Mas era bom que tudo isto fosse mais divertido e dotado de alguma personalidade nossa, naquele eixo que nos leva do ganhar bem ao mau perder. Até os olés vindos de uma bancada tonta eu aceitarei. Não precisa de pensar mais, senhor presidente. Vá buscar o nosso homem à Turquia e, pelo caminho, deixe o Cristiano perseguir os 1000 golos lá na Arábia.