A malta espera!

OPINIÃO29.05.202004:00

VAMOS admitir que o futebol já tinha autorização para ter público. Quantas pessoas poderiam entrar? Um terço da lotação do estádio? Ou seja, 20 mil no Estádio da Luz, por exemplo? Menos que isso? Dez mil no estádio de um dos grandes? Ou ainda menos, talvez cinco mil? Alguém imagina o que seria ter cinco mil pessoas distribuídas pelos 65 mil lugares da Luz? Ou pelos 50 mil lugares do Dragão ou Alvalade? E, nesse caso, mil pessoas distribuídas pelos 30 mil lugares do Estádio do Braga, do Guimarães ou do Boavista? E distribuídas como, 200 ou 300 em cada setor? Não pareceria ainda mais deprimente do que, simplesmente, sem público?

Ora bem, não me parece que estejamos a ver, todos, muito bem o filme ao levantarmos a possibilidade de ter, já, público nos estádios, ainda que o espetáculo seja ao ar livre. Muito menos querermos compará-lo a uma sala de cinema ou de teatro. Há alguma comparação?

Para que a presença de público nos estádios fizesse, na minha opinião, realmente algum sentido, deveríamos estar a falar, pelo menos, de um terço da lotação - 20 mil pessoas na Luz, 15 mil no Dragão ou Alvalade, para referir os exemplos de maior dimensão.

PEGUEMOS, assim, no exemplo concreto do maior estádio: espalhavam-se as 20 mil pessoas pelas bancadas do estádio benfiquista, à ordem de cinco mil por cada uma das quatro bancadas, digamos assim, o que não me pareceria muito, na verdade, e talvez pudessem sentá-las com três cadeiras de intervalo, para assegurar a exigida distância física (não gosto do termo distanciamento social, quando o que precisamos é de aproximação social apesar do distanciamento… físico)!!!

Posto isso, e é fácil calcular tudo relativamente aos restantes estádios - todos com lotação inferior, dos 50 mil, passando por 30 mil, até aos oito mil, creio que leva o estádio do Gil Vicente… -, não vejo, com toda a franqueza, como poderia ser problema sentar, pois, os 20 mil adeptos no estádio benfiquista, nem vejo como todos sentadinhos (ou mesmo de pé, cada um no seu posto) poderiam aumentar o risco de contágio.

Mas não vos parece que o problema, caros amigos, não é esse? Que o problema não é sentar 20 mil pessoas (atirei um número para o ar) no Estádio da Luz?

Defendem uns: se pode ir um terço das pessoas à sala de cinema ou de teatro, que raio de razão impede o mesmo terço de ir a um estádio de futebol?

DESCONTANDO a comparação, a meu ver, absurda entre o habitual comportamento (e a habitual  predisposição emocional) do público que vai a uma sala de cinema ou de teatro e o público que vai a um jogo de futebol, deixo, no entanto, outras questões - como a dificuldade, e o que isso exigiria de meios e pessoas, em controlar o acesso de alguns milhares de pessoas a um estádio de futebol; a dificuldade de prolongar esse controlo ao interior do estádio; a dificuldade, ou impossibilidade, de garantir que em nenhum momento esses adeptos se aglomerassem no interior ou exterior do estádio para festejar ou simplesmente dar largas às suas manifestações mais ou menos emotivas.

Por outro lado, saliento ainda a dificuldade no modo como os clubes teriam obrigatoriamente de selecionar esses adeptos. Por sorteio? Por idade? Por ordem alfabética? Pelo entusiasmo? Pela emotividade?

CALCULO que os clubes quisessem ter nos estádios os seus adeptos mais ruidosos. Os das claques, mais ou menos organizadas. Porque sendo os mais criticados (justificadamente criticados pelos tormentos que, muitas vezes, provocam e pelos comportamentos verdadeiramente selvagens que registam e vêm registando na doentia atmosfera em que o futebol, sem qualquer culpa, se vê, tantas vezes, mergulhado em Portugal) , a verdade é que são também esses os adeptos que na realidade mais apoiam as respetivas equipas. E se os jogadores falam da necessidade de ter adeptos, falam certamente na necessidade de ter adeptos desses, que fazem o ambiente e o animam ruidosamente os estádios.

Como sabemos, o chamado público em geral está até muitas vezes em silêncio a ver um jogo de futebol e isso deve chegar mesmo a ser relativamente confrangedor para os jogadores.

Adepto que é adepto deve ser ativo no aplauso ou no assobio, no apoio ou na crítica. Não deve é ser selvagem. Nem agressivo. Nem doentio. Nem ofensivo. E muito menos violento. Isso nunca!

Vejam o exemplo dos adeptos nos estádios da Premier League, esses sim, que tanta falta fazem ao espetáculo, por serem, reconhecidamente, um espetáculo à parte dentro do espetáculo que é o jogo, mostrando que aprenderam com a lição de terem vivido a grave crise que viveram, muito em particular na década de 80.

Mas ter adeptos que assistem a um jogo de futebol como se estivessem na ópera também não deve ser lá muito animador, não vos parece?!

IMAGINANDO, pois, a tremenda dificuldade que seria selecionar os adeptos que poderiam ir ao estádio, e dos problemas que essa seleção provocaria nos restantes adeptos (ou sócios, melhor dizendo), coloca-se também a questão logística de como esses milhares de adeptos (porque, em qualquer caso estamos sempre a falar de alguns milhares de adeptos, sejam dois mil, cinco mil, dez mil ou 20 mil) se deslocariam para o estádio.

Mais uma vez, parece-me irrealista comparar-se com a deslocação dos banhistas para as praias.

Não tem sentido.

E volto à sala de cinema ou de teatro. Estão a ver a malta no cinema a querer abraçar-se e festejar depois de, no filme, o polícia prender o mau da fita? Ou após o impressionante monólogo do ator em palco? Na sala de cinema, a maior das perturbações deve estar nas pipocas. No teatro, talvez o toque de telemóvel de alguém mais distraído. Mas no futebol não é assim!

POR muito cheios que andem (e não deviam andar, senhores das autoridades) os comboios ou outros meios de transporte público, sempre que, por exemplo, a praia convida a banhos (e muito infelizes e irresponsáveis têm sido alguns comportamentos nalgumas praias…), ou por muito cheios que fiquem os parques de estacionamento com a malta que vai ao Politeama ver os sempre bem-sucedidos espetáculos de La Féria, ou ao Amoreiras para ver a última estreia cinematográfica, não se confunda nada disso com o movimento (e suas tão particulares idiossincrasias…) de adeptos para um jogo de futebol e, sublinho, o que isso exigiria (e custaria, nesta fase) para tornar minimamente eficaz o controlo e a segurança de todos.

Outra questão: só entrariam nos estádios os adeptos da casa? Ou não? No Benfica-Sporting da última jornada, já nos finais de julho, por exemplo, entrariam adeptos dos dois clubes? Já imaginaram o que seria, mesmo podendo ou não entrar adeptos dos dois clubes?

Já agora, imaginem que nos maiores estádios só poderia entrar um quinto dos adeptos, no caso da Luz pouco mais de 12 mil, no caso de Dragão e Alvalade pouco mais de dez mil, devidamente espalhados pelo recinto. Faria realmente a diferença para equipas e jogadores? E seria assim tão entusiasmante para os próprios adeptos? É, no mínimo, discutível. Não sei, sinceramente, o que é mais desolador: se um estádio vazio, se um estádio com pouca gente. E quanto maior o estádio, maior a frieza.

Faria diferença ter 20 mil na Luz ou 15 mil no Dragão e Alvalade? Faria, certamente. O problema não é tê-los; o problema é pô-los!

A forma como foi definido este regresso da indústria-futebol teve, certamente, em conta também os custos operacionais da tão desejada, ansiada, exigida, pressionada, atendida, comprometida, compreendida e aceitável retoma. Tudo a bem da economia do futebol. Bem sei, por outro lado, que os adeptos é que dão sentido ao espetáculo, ao jogo e ao desempenho de equipas e jogadores. Mas ter adeptos, agora, de forma tão condicionada (e necessariamente organizada e fiscalizada) teria um custo que nesta altura ninguém se atreve a querer (ou poder) suportar.

Assim, como chegam os jogadores para haver jogo, haja, assim, jogo, mesmo sem adeptos, porque a alternativa é bem pior. É não haver jogo.

Sem adeptos não é a mesma coisa? Claro que não. Mas é o que se pode arranjar!

Desculpem-me, assim, este porventura meu papel de desmancha-prazeres, mas falar-se, nesta altura do campeonato, de adeptos no futebol parece-me (perdoem-me a expressão, e com todo o respeito) um pouco demagógico. E mais ainda quando se quer comparar o incomparável.

Futebol e teatro? Futebol e praias? Não queiram transformar o futebol numa espécie de ida ao cinema. Isso, nunca. Comecem lá por ir, com cuidado, ao cinema e ao teatro. E tenham juízo na praia. Os adeptos do futebol saberão esperar a sua vez!

PS: Sim, é verdade que poder ter 300 pessoas dentro de um avião também me parece um disparate pegado. «Só olham para a frente», terá justificado a diretora geral da Saúde. Nem comento. Só se compreende a decisão de permitir aviões lotados à luz das altas pressões que as companhias aéreas certamente têm andado a fazer sobre as autoridades, nomeadamente as europeias. É, em todo o caso, decisão muito difícil de explicar ao cidadão comum!  Mas está, na verdade, em linha com a confusão generalizada em que a comunicação nesta pandemia se tornou. Tão depressa se pede uma coisa como se sugere outra. E tão depressa se exige o maior cuidado, como se vê o maior à vontade. Põe-se a máscara, tira-se a máscara, mexe-se na máscara, mete-se a máscara no bolso, tira-se a máscara do bolso, conversa-se sem máscara, formam-se grupos nas praias ou nas esplanadas como se nada fosse, uns com máscara, outros sem máscara, uns desconfinam, outros desconfiam, há autocarros cheios, não se vê fiscalização no metro, já vi até motoristas de transportes públicos sem máscara e, no outro dia, até uma senhora se passeava alegremente sem máscara ao ar fresquinho de um superrmercado. Há de tudo. E há quem ache que isto não é nada! Talvez se tivessem sentido o sofrimento de um familiar direto como sentiu um treinador da Primeira Liga (no caso, um filho, jovem ainda) pensassem duas vezes antes de dizerem, ou fazerem, alguma coisa. Quando nos toca a nós, a coisa muda logo de figura!

VÍTOR OLIVEIRA, o treinador do Gil Vicente, uma das grandes figuras do futebol português e homem, com evidente orgulho, da chamada velha guarda, reuniu-se, no final da última semana, num painel de debate em A BOLA TV, a outras duas grandíssimas figuras do nosso futebol e do lusitano futebolês como são o nosso Vítor Manuel (consagrado treinador de futebol a quem a vida reservou, até ver, papel de comentador desportivo) e Manuel Cajuda, também ele, por ora, fora do ativo, os três, por junto e atacado, somando talvez 1500 jogos de futebol a sério, para uma deliciosamente franca conversa sobre o jogo que tanto amamos e sobre a indústria que tanto, também, nos chega, por vezes, a indignar. Retenho, de tudo, uma frase de Vítor Oliveira: «É mentira; não queremos nada a verdade desportiva. O que está a começar agora é só o futebol negócio (...)». Pois.