Nelson Évora: «Ganhar medalhas não apagou as cicatrizes que tinha»
Alcançar os píncaros do desporto mundial é um exercício de superação física e, acima de tudo, mental, para o atleta do tripo salto. Assim como o é para Diogo Ribeiro
Nelson Évora marcou presença no II Seminário Nacional de Saúde Mental no Desporto de Alta Competição, realizado esta quarta-feira, na Academia de Artes do Estoril. Foi por essa ocasião que falou com A BOLA, onde valorizou o papel deste tema para os atletas e que mal foi abordado ao longo da sua carreira.
«Era algo que não existia. Falava-se, mas de outra forma. Fico contente que agora tenhamos esta ferramenta que nos possa ajudar como atletas. Infelizmente, na minha altura não se falava disto.»
Só em 2016 é que Évora começou a fazer terapia com um profissional. Durante o seminário, explicou porquê: «Foi por causa da morte da minha mãe. Ela era a minha psicóloga, conseguia dizer sempre as palavras certas no momento certo. Quando a deixei de ter, tive de ter um psicólogo. Graças a Deus ainda ganhei algumas medalhas já sem a minha mãe, mas ter um profissional ensinou-me muito sobre mim.»
«Nós, desportistas, somos desequilibrados e este apoio na saúde mental é, por isso, muito importante. O treino mental é muito mais importante do que o físico», acrescenta. Então, como é que a saúde mental pode impactar a performance desportiva de um atleta de alto rendimento como Nelson Évora?
«Um atleta com a minha personalidade pega no bom e no mau e transforma isso em medalhas. Eu sou uma pessoa que, independentemente da situação, dou sempre o meu melhor. Muitas das medalhas que ganhei foram nos melhores momentos da minha vida, muitas outras foram nos piores momentos da minha vida. Se isso me fez bem nos piores momentos, digo já que não. Quando estamos mal, estamos mal e temos de respeitar isso. A medalha já está em casa, mas a cicatriz cá ficou», contou a A BOLA.
No entanto, como revelou no painel do qual fez parte, no início de carreira, este aspeto ainda afetou a sua performance.
«Em 2005, costumava fazer um exercício que era o saltar o mais longe e mais alto possível ao mesmo tempo e fazia isso no aquecimento para intimidar os adversários. No meu primeiro Campeonato do Mundo, fiz a minha peça de teatro. Depois, vi que todos estavam a fazer o mesmo que eu. Fiquei a 6 centímetros de passar à final porque psicologicamente não estava preparado para aquele impacto.»
A prevenção da saúde mental, tanto para resolver problemas como para dar força psicológica ao atleta, é, por isso, algo essencial para o mesmo, e deve ser cultivado desde o início da carreira.
«Os mais jovens devem sempre procurar alguém», continua Évora, na conversa com A BOLA. «Mas o mais importante são sempre as estruturas, deve sempre haver um profissional nesta área para prevenir desastres, porque quando não se tem cuidado com a saúde mental… o ser humano é capaz de coisas espetaculares, mas podemos também fazer coisas muito más. Se tivermos apoio profissional, nem damos tanta ênfase a este problema, que, mais tarde, se pode tornar num bicho de sete cabeças.»
«Diogo Ribeiro estava nervoso antes de ser campeão mundial, foi assim para a prova e controlou-a»
Alberto Silva, que trabalha com a natação de alta competição há mais de três décadas e é treinador de Diogo Ribeiro, o prodígio português que foi campeão do mundo de natação nos 50 metros e nos 100 metros mariposa, desde 2021, também falou neste Seminário.
E o brasileiro revela que o jovem de 19 anos é a prova de que os campeões também têm ansiedade, mesmo quando fazem o que melhor sabem: «A primeira vez que fui a um campeonato com ele, ele chorou. Nós acalmámo-lo e ele venceu a prova. Fomos ao Europeu, ele estava nervoso e eu só lhe disse que não podia nadar por ele. O Diogo tinha de passar por aquela experiência. E agora foi bicampeão mundial.»
Ribeiro vai participar nos Jogos Olímpicos de Paris em três provas: 50 e 100 metros livres e 100 metros mariposa. Aí, certamente será difícil fugir aos nervos. Por isso é que o nadador precisou de experienciar estas situações de stress em contexto competitivo. E o resultado, como Silva explica, está à vista.
«Até nesse Mundial, ele já fora campeão dos 50 metros mariposa e antes dos 100 metros mariposa estava muito nervoso. Sobretudo com os segundos 50 metros, porque ele sabia que podia terminar a primeira piscina à frente. Eu só lhe disse que ele estava bem, que ele fosse mesmo nervoso lá para dentro e ele foi. Mesmo nervoso, ele controlou a prova.»
«Trabalhamos juntos há três anos e não temos nenhum psicólogo porque não foi preciso», conclui.