Sporting: «O guarda-redes é uma mais-valia na construção»
Ricardo Pereira, atual treinador de guarda-redes do Valladolid, falou a A BOLA sobre a fase de construção que começa no guardião, tendo por base o último golo do Sporting, frente à Atalanta
- Tendo em conta que cada guarda-redes tem as suas características, é possível que a equipa tenha reação à mudança?
- Não. Neste caso específico ainda menos. Vejo no Sporting um modelo muito bem trabalhado, que estava a ser feito pelo Adán. É muito claro o que o Sporting faz e o que pretende do seu guarda-redes: que encontre um homem livre de forma direta ou indireta, com um terceiro homem, um médio, que vai buscar a bola entrelinhas. O Sporting aposta bem na bola batida no ponta de lança, sem ser bombeada de maneira que a possa rececionar . São movimentos muito bem identificados, tal como os movimentos do guarda-redes quando o adversário salta na pressão com um ou dois jogadores, algo que vejo o Franco Israel a fazer bem. Parar a bola de sola e esperar para eliminar a primeira linha de pressão. Há uma capacidade de decisão muito acima da média. É fruto do trabalho com os guarda-redes incluídos no processo de treino. As características de cada um pode potenciar a que a equipa saia melhor, o Adán tem mais experiência, mas o Franco Israel tem talento, à vontade e coragem. Acredito que de jogo para jogo o vá fazendo melhor, já teve três testes interessantes pela frente, com o da Atalanta a ser de fogo, e foi encontrando respostas.
- Qual a importância na estratégia da equipa em poder jogar com o guarda-redes quase como um central?
- O que vemos no Sporting, e noutras grandes equipas do Mundo, é atacar com onze. Permite a construção a três, ao contrário do passado em que tinha de baixar um médio. Com o guarda-redes a construir no meio de dois centrais fica mais difícil para o adversário numa pressão com dois, porque quem ataca fica em superioridade 3x2. É assim o modelo do Sporting e há até quem faça outra coisa, como aconteceu na minha passagem pelo Equador, no Independiente del Valle, em que usávamos o guarda-redes aberto como se fosse um central. Tem sempre que ver com o modelo de jogo, mas o guarda-redes é uma mais-valia quando assume esta construção, está envolvido, sabe posicionar-se e tem visão de jogo, permite quebrar uma ou outra linha de pressão, com o adversário a ficar logo com quatro ou cinco jogadores para trás.
- Diz-se que o guarda-redes tem de defender, mas é cada vez mais importante o trabalho de pés?
- Ser bom a jogar com os pés, per si, não significa nada, isso tem de estar relacionado com o jogo, permite quebrar uma ou duas linhas de pressão. A percentagem de ações diretas no jogo do guarda-redes é superior com os pés do que com as mãos. Jogar com os pés é determinante para manter a posse de bola, dar segurança, eliminar a pressão e ser um pronto-socorro, em pressão extrema ou quando há marcação homem a homem. Por exemplo, no Man. City o recurso ao Ederson não é só no jogo curto, mas também colocar a bola nas costas do adversário. O recurso ao guarda-redes e as ideias que as equipas têm para usar o guarda-redes são essenciais, o que faz com que as mãos continuem a ser determinantes, porque o que faz com os pés qualquer outro jogador poderia fazer. Com as mãos e com a cabeça, que é aí que tudo começa: evitar oportunidades, através do posicionamento; evitar remates e cruzamentos, controlando a profundidade; a antecipação no um para um e a situação clássica, evitar golos, que é onde só eles e Deus é que podem ajudar a equipa naquele momento.