OPINIÃO DE DUARTE GOMES SC Braga-Sporting: esclarecimento técnico
'O poder da palavra' é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes em A BOLA
O primeiro golo do Braga frente ao Sporting deixou dúvidas quanto à sua legalidade devido à forma como Gabri Martínez caiu sobre Franco Israel, impedindo-o de tentar eventual defesa.
É compreensível que a perceção seja a de que houve infração atacante, mas tecnicamente a questão não é bem assim. Permitam-me o esclarecimento:
1. Antes de mais, convém recordar que a área de baliza (vulgo pequena área) não é uma zona de proteção privilegiada dos guarda-redes. É verdade que eles não podem ser carregados quando têm a bola controlada, mas isso aplica-se em qualquer parte da área e não apenas ali.
2. Para haver infração de um jogador sobre outro é necessário que exista imprudência (falta de cuidado/atenção na abordagem ao lance), negligência (não medir o perigo para a integridade física do adversário) ou força excessiva (usar carga desproporcional que coloque em risco a integridade física do oponente). Ou seja, é preciso que exista qualquer coisa de um sobre outro. Se um jogador colide/choca com o adversário por força de um movimento inevitável ou até acidental, não há infração, mesmo que a consequência seja infeliz, como tantas vezes é.
3. Neste caso o que se viu foi que Gabri Martínez e Quenda tentaram chegar à bola e, na disputa, o jovem jogador do Sporting tocou no pé do espanhol, desequilibrando-o. Foi precisamente esse desequilíbrio que o levou a cair sobre o guarda-redes adversário. As imagens foram claras e qualquer análise atenta consegue perceber isso.
4. Ora sendo assim, o jogador do SC Braga jamais poderia ser sancionado, porque não fez nada acima ou a mais do que poderia ter feito. Não foi imprudente, negligente ou excessivo. Em boa verdade, não realizou qualquer ação desnecessária nessa jogada. A queda e posterior contacto foram uma inevitabilidade do momento anterior.
5. O facto do guarda-redes do Sporting ter ficado privado de tentar a defesa foi uma consequência infeliz de jogada inadvertida. É frustrante para quem se sente privado de reagir, obviamente, mas as leis de jogo não punem jogadores que não incorram naquelas três prerrogativas e Gabri não incorreu.
É importante ressalvar que esta linha — a que separa contacto acidental/inevitável de contacto imprudente/negligente — pode ser muito ténue até para nós, comentadores de arbitragem, que temos a incumbência de analisar lances de futebol. Há de facto ações no limite, em que não fica claro se determinado contacto foi resultado de ação de jogo ou de uma falta de atenção/descuido/precipitação de quem o promoveu. É quase como se tivéssemos que mergulhar num processo de intenções para avaliar o que aconteceu.
Mas há também situações que permitem perceber de imediato qual a decisão certa. Por exemplo, quando um jogador sabe que vai disputar a bola com outro, está desde logo obrigado a ser prudente. Regra geral os contactos resultantes dessas divididas têm forte possibilidade de serem considerados faltosos (se um jogador impedir o outro de atuar). Já num remate à baliza em que alguém surge do nada para a interceção, o contacto promovido por quem remata pode ser acidental, porque nem percebeu que o adversário ia tentar a disputa. Quem não se lembra da infelicidade de David Carmo, ao tentar evitar remate à sua baliza de Luis Díaz?
Também o típico choque entre guarda-redes e avançado acarreta muitas vezes consequências físicas para um ou para os dois, sendo que muitas vezes não é irregular. Um jogador correr para um lado, o outro a movimentar-se no sentido oposto, ambos a olharem e tentarem chegar à bola. Colisão inevitável! Nanu, no jogo com o Belenenses SAD, ficou muito maltratado sem que o guarda-redes adversário cometesse qualquer falta.
É certo que este não é um tema pacífico, mas conhecer as regras e o espírito que lhes está subjacente pode ajudar a dissipar dúvidas para quem tenta analisar este tipo de lances sem grande proximidade ao coração.