Arábia Saudita «Querem fazer liga para igualar a Europa»
Em princípio, José Garrido planeava ficar um ou dois anos fora de Portugal quando, em 2005, foi chamado para treinar o Sabah FA, da Malásia, mas praticamente duas décadas depois ainda anda lá por fora e acumulou experiência sobretudo no ponto do globo que está agora completamente na moda em termos futebolísticos. Obviamente o mundo árabe e de forma particular a Arábia Saudita, país onde treina agora o Al Qaisoma, equipa do segundo escalão, depois de ter passado também pelo Al Batin e pelo Al Jabalian. No total, são 14 anos no mundo árabe, com quatro anos no Kuwait, quatro no Barém, quatro na Arábia Saudita, um no Dubai e outro em Omã... Uma vida inteira.
Esta riqueza em termos de convivência faz de José Garrido figura central em termos de conhecimento da Arábia Saudita e um bom intérprete do incrível boom que se está a verificar naquele país, algo que o treinador praticamente adivinhava. «O boom já se previa. Eles sempre tiveram um campeonato mais competitivo do que os países ali à volta, e ambição de sempre fazer um campeonato para igualar a Europa. E creio que isso vai sentir-se com superior força nos próximos anos, até 2030 vai haver um investimento muito forte, em termos de futebol, turismo, reabilitação de estruturas. Em termos de mentalidade o país vai abrir-se também muito ao exterior», está seguro José Garrido, conforme expressou a A BOLA.
UMA EVOLUÇÃO MUITO GRANDE
A abertura deste novo mundo não acontece, portanto, na esfera do futebol em exclusivo. «Há uns anos era tudo muito mais fechado, mas as coisas mudam radicalmente e de forma apressada, as cidades grandes estão a transformar-se, o príncipe veio ajudar com uma nova mentalidade. Nos últimos três anos senti uma diferença muito grande, em termos de cultura e até na forma de vestir», diz.
Nesta nova filosofia de vida encaixam muitos portugueses, como Cristiano Ronaldo evidentemente à frente de todos, e José Garrido tem a convicção de que o contingente nacional vai continuar a crescer nos próximos tempos, com mais técnicos e jogadores de nomeada. «Eles gostam muito do treinador português, pela abertura e pela componente tática, nós proporcionamos um tipo de treino que eles apreciam muito, por ser parecido ao jogo», aponta.
O grande crescimento do futebol naquelas paragens também é da competência da comunidade portuguesa e nesse sentido José Garrido sente-se uma espécie de pioneiro nestes novos tempos, mas não deixa de lembrar que antes dele houve Quinito, Acácio Casimiro e Eurico, gente que abriu caminho, chegando de passagem também ao triunfo de Portugal no Campeonato do Mundo de sub-20 em 1989... Em conclusão, há algo de forte que nos une a eles.
«Eles gostam da nossa mentalidade, da forma como trabalhamos, da forma como pedimos as coisas e não exigimos», observa, levantando pormenor muito importante no relacionamento e na forma de lidar com diferentes sensibilidades.
O futebol na Arábia Saudita está numa incrível rampa de crescimento, mas afinal de contas qual o valor real do campeonato local? Garrido faz a radiografia: «Tecnicamente os jogadores locais são bons, mesmo nas equipas mais fracas, mas depois há o espírito competitivo, eles não gostam de andar a correr, de muita carga física.» E é no plano tático e do planeamento que a sabedoria do técnico português entra e se destaca e ganha preferência relativamente aos mercados africanos, por exemplo, também muito em voga.
ADORADOS PORTUGUESES
Garrido treina equipa do segundo escalão candidata à subida e pelo conhecimento adquirido não aponta grandes divergências com o campeonato maior. «A diferença está nos estrangeiros. Na Liga os estrangeiros são de menor qualidade, na Superliga são de grande nível porque basicamente eles têm capacidade financeira para contratar qualquer jogador», destaca. Em termos de capacidade de recrutamento, algumas limitações. «Na Liga há lugar para sete estrangeiros, no campeonato principal oito estrangeiros», observa.
Ao fim de praticamente duas décadas fora de Portugal e com carreira muito direcionada para o mundo árabe, o antigo jogador de Benfica, Gil Vicente, Chaves e Boavista, entre outros, diz por experiência própria que o futebol na Arábia Saudita apresenta algumas singularidades: «Os jovens estão a dormir durante o dia e dedicam-se muito aos jogos on-line, e nesse aspeto é uma visão diferente da europeia, mas eu gosto do modo de pensar deles, eles gostam de nós, porque facilmente nos moldamos àquilo que eles são. Estou no mundo árabe há 14 anos, já sei como funciona, o que eles pensam, o que eles querem e a forma como encaram a vida.»