«Não houve milagre no João Paulo II», a crónica do Lusitânia-Benfica
A festa do golo da equipa do Benfica no jogo com o Lusitânia dos Açores (Eduardo Costa/LUSA)

«Não houve milagre no João Paulo II», a crónica do Lusitânia-Benfica

NACIONAL20.10.202321:11

Clube da Luz impôs a lei do mais forte, mas não desligou o 'complicómetro'; açorianos com bom futebol; Schmidt 'ajudou' Cabral a marcar...

Um ano e cinco dias depois de ter passado, nas Caldas da Rainha, pouco ao lado de um escândalo que ficaria na história do futebol português, o Benfica, que em 101 anos de existência comum nunca tinha defrontado o Lusitânia, foi à ilha Terceira carimbar, com um brilho que foi ainda mais cintilante devido à réplica dos açorianos, que tiveram sempre a preocupação (ou se quiserem a personalidade e a coragem) de jogar com a bola à flor da relva, indiferentes ao adversário e à intempérie que se abateu sobre o relvado. Mas no estádio batizado, por João Bosco Mota Amaral, à altura presidente do Governo Regional, como ‘João Paulo II’, lembrando a visita que o Papa polaco, santo subito, realizou em 1991 aos Açores, onde esteve em Ponta Delgada e na Terceira, desta vez não houve espaço para milagres, acabando por imperar a lei do mais forte, ou não estivessem em confronto o campeão nacional e uma equipa recém-promovida ao quarto escalão. 

Porém, se o Benfica esperava facilidades (e depois das Caldas só por irresponsabilidade o faria), deparou-se com uma equipa bem organizada, ora em 4x3x3, de base, que se alterava para 4x5x1 com bloco baixo e linhas juntas, ou por vezes para um 4x1x4x1 em que o magnífico Biai dava nas vistas na cabeça da área, que representou muito bem o futebol que se joga nos escalões inferiores. 

As escolhas de Schmidt

 Sem Trubin, Bah, Otamendi, Kokçu, Neres, Di María, Roger Schmidt optou por dar minutos a Tengstedt e Arthur Cabral, e não pode dizer-se que qualquer deles tenha brilhado. Aliás, percebeu-se que após uma primeira parte em que o dinamarquês esteve melhor que o brasileiro, acabou por ser o nórdico a sair, na tentativa de dar a Cabral a possibilidade de se estrear a marcar e, com isso, se aproximar do jogadores que se sabe que é, mas que ainda não foi visto de águia ao peito. 

Aursnes já vai em 1080 minutos, João Neves corre para o infinito, Gonçalo Guedes reclama titularidade e Tiago Gouveia fez um golaço

E Arthur Cabral, assistido, por Gonçalo Guedes, lá fez o gosto ao pé (1-3 aos 68 minutos). Muito antes desse momento, o Benfica, que carrilou o jogo pela direita e por Aursnes, amiúde, tinha chegado ao 0-2 (João Mário e Rafa) ainda cedo (36 minutos) e vira o Lusitânia fazer a festa, com um penálti bem marcado por Enzo Ferrara à beira do intervalo. Mas, verdade seja dita, o futebol encarnado durante largas fatias, especialmente da primeira parte foi lateralizado, curto e pouco objetivo, não fazendo os rombos que devia na estrutura adversária. velocidade precisa-se A entrada de Gonçalo Guedes, que bate forte, fortemente, à porta da titularidade na equipa de Roger Schmidt, deu ao Benfica, finalmente, alguém que acompanhasse a dinâmica de Aursnes e João Neves, elevando o patamar de dificuldade em que os açorianos se movimentavam. 

Ricardo Pessoa bem refrescou a equipa, no meio-campo e no ataque, por vontade própria, e na defesa por lesão de David Semedo, mas à medida que os minutos corriam a diferença de ritmo das equipas acentuava-se, a velocidade de Guedes fazia mossa, e quando aos 75 minutos, com o placard já em 1-3, Roger Schmidt mandou a jogo Musa e Tiago Gouveia, foi uma espécie de coup de grace. Musa muito mais agressivo que Cabral (e com o goleador brasileiro o Benfica deixa de ter meios para fazer a pressão alta que era perfeita com Gonçalo Ramos e é aceitável com o croata) e Tiago Gouveia mortinho por mostrar serviço (e que belo golo, à Rafa, marcou ao cair do pano...), aceleram as operações e mostraram que têm uma palavra a dizer neste Benfica, onde João Neves caminha para ser a estrela máxima. Do triunfo dos encarnados, sem espinhas, contra uma equipa que esta época só tinha sido derrotada pelo Rabo de Peixe, há que retirar algumas ilações, apesar das ausências já referidas e da diferença das forças em presença: sem pressionar, quando não tem a bola, e a circular o jogo, sem objetividade, quando ataca, não só o Benfica se afasta irreversivelmente da equipa da época passada, como desaproveita um potencial que ainda está por explodir...