Análise Di María, Rafa e Neres juntos: o clássico prova alguma coisa?
Roger Schmidt apostou nos três criativos e bateu o FC Porto com assistência do brasileiro e mais um golo do argentino
O Benfica venceu o FC Porto no clássico da Luz por 1-0 e, se olharmos para a influência no resultado, podemos cair na tentação de chegar à conclusão de que a aposta de Roger Schmidt num tridente ofensivo de apoio a Peter Musa funcionou perfeitamente. David Neres ‘expulsou’ Fábio Cardoso e assistiu Ángel Di María para o golo que valeu os três pontos. Rafa, o outro dos velocistas, foi mais discreto, porém a verdade é que não foi necessário ter esta sexta-feira todos à mesma velocidade.
É natural que depois de um bom resultado num encontro de elevado nível de dificuldade se tirem conclusões como a seguinte: afinal, é possível jogarem os três no mesmo onze, mesmo perante equipas de igual (ou maior) poderio. Mas será mesmo assim?
O Benfica venceu perante dez. Esse é o primeiro ponto. E mesmo durante toda a primeira parte, com essa superioridade numérica a partir dos 19 minutos, o FC Porto pareceu sempre mais confortável. A melhor oportunidade foi negada por Trubin a Taremi, aos 29, com Pepê a obrigar o ucraniano, aos 40, a uma segunda boa intervenção. Ou seja, já com a equipa da Sérgio Conceição reduzida a dez elementos.
O técnico portista tentou surpreender na Luz. Com um 4-4-2 híbrido e assimétrico – Alan Varela e Eustaquio no miolo e o português com maior liberdade para subir, Romário Baró descaído mais para a direita e Galeno encostado à esquerda, Taremi ainda baixava para tentar receber e ‘ligar’ com a velocidade de Pepê mais à frente –, assumia inúmeras vezes um posicionamento mais baixo e tentava ferir na transição, aproveitando as debilidades de uma pressão alta (ainda mais) desligada por parte dos encarnados. Só que se a pressão portista era acionada mais atrás, a reação à perda, por seu lado, mantinha-se bem ativa e eficaz.
Era aí que estava o risco dos três ‘aceleras’ das águias. O Benfica estava mais permeável no momento defensivo, com mais uma unidade de desequilíbrio (para o bem e para o mal), e acrescentava a essas dificuldades uma enorme distância entre os da frente e o duplo pivot, que permitia aos dragões construir tranquilamente por dentro e expor o seu último setor. Petar Musa foi visto a defender já na sua área, tentando compensar o excesso de vertigem na equipa.
Depois, quando o Benfica recuperava a bola, a contrapressão funcionava, com inúmeras decisões erradas de Rafa e companhia a manietarem por completo a saída em transição. É verdade que Neres expulsou Fábio Cardoso e Rafa obrigou Carmo a uma intervenção arriscada como último/penúltimo homem, mas foram exceções e não a regra.
O tempo e o desgaste do lado contrário iriam ajudar a equipa de Roger Schmidt, no entanto o que realmente funcionou foi deixar de querer fazer tudo depressa. A premissa com que o grupo atacou o clássico estava, mais uma vez, errada. Dominava quem tinha mais calma e discernimento a decidir.
No segundo tempo, o FC Porto baixou o bloco de forma natural. Jogar com menos um, depois de tantas saídas em transição tinha o seu custo, e não era possível aguentar. Essa decisão/necessidade ajudou as águias, que subiram finalmente em bloco, conseguiram ativar a contrapressão e foram criando as suas oportunidades (Neres e Otamendi, em várias ocasiões) com pausa e critério. Sobressaíram finalmente Kökçü e João Neves, e… Aursnes. Finalmente, o norueguês podia subir no terreno sobre a esquerda, lançar aí a âncora da organização ofensiva da equipa e ir servindo David Neres para a mesma jogada: o brasileiro atacava por dentro, já na área, tentava chegar à linha e cruzar atrasado. Ao fim de alguma tentativas, a bola chegou a Di María, que rematou e beneficiou de um ressalto para bater Diogo Costa. Face à superioridade numérica, o vencedor estava praticamente encontrado.
É fácil chegar à conclusão de que o que importa é o talento, e que uma equipa deve conseguir conjugar os seus maiores artífices em todos os contextos, porém não é sempre assim. O Benfica venceu um adversário que, já fragilizado no onze, ainda o conseguiu expor quando fragilizado em número, o que nunca é uma boa notícia. Além disso, a ideia que vingou foi a coletiva, a partir de um ataque posicional assente no equilíbrio, capaz então de alimentar os desequilíbrios provocados por Neres. O brasileiro sim, reclama cada vez mais a titularidade, por isso antes de meter ‘toda a carne no assador’, pode ser necessário tomar decisões difíceis. Ou o 1-0 é suficiente para se achar que diante do Inter, por exemplo, é possível jogar assim?