«De oculto só o nascimento de um novo lateral-esquerdo», a crónica do Vilar de Perdizes-FC Porto
André Franco

«De oculto só o nascimento de um novo lateral-esquerdo», a crónica do Vilar de Perdizes-FC Porto

NACIONAL20.10.202323:18

Nem mezinhas ou bruxedos: Conceição foi ao laboratório e criou nova posição para André Franco, que decidiu o jogo; Champions posta à prova

O futebol português sempre teve uma relação muito próxima com o misticimo. Balneários a cheirar a alho, galinhas enterradas nos relvados, pais de santo elevados a figuras supremas nos clubes e infinitas superstições que assumiam tanta importância como a tática ou a estratégia. 

Noutras eras, Vilar de Perdizes, a capital portuguesa das mezinhas, feitiços e todas as práticas do oculto, teria recebido o FC Porto em casa porque não se falaria em requisitos, normas de segurança e outras exigências que nasceram com a evolução. Teria sido um festival de bruxaria que daria fortunas e enriqueceria o livro das histórias marginais. 

Mas com a deslocação do jogo para Chaves e a certeza transmitida por Sérgio Conceição de que com ele tudo tem de ser científico, de oculto houve apenas o que efetivamente não se viu, no sentido de ocultar, tapar da vista. Como, por exemplo, as duas semanas em que andou a experimentar André Franco a lateral-esquerdo. 

O médio português fez a diferença. Marcou um golo e deu outro a marcar. Sem Wendell e Zaidu, foi chamado a desempenhar a função, mas sem efetivamente jogar como puro lateral, entrando muito por dentro, tão dentro que o 1-0 (36’) surgiu na sequência de um movimento em que ele veio da direita para o meio e atirou em arco, fora da área, com aquele pé esquerdo que dá ares de poder abrir uma lata de atum tal é a precisão que exibe na ponta da bota. 

Sem jogar há um mês (23 de setembro, frente ao Gil Vicente), o antigo jogador do Estoril sabia que não estava apenas em causa o primeiro jogo dos dragões na Taça, título que a equipa conquistou nas duas últimas temporadas; Franco tinha a consciência de que estava em exame a possível titularidade em Antuérpia, para a Liga dos Campeões. E teria de mostrar, de uma forma mais clássica, a valência como lateral. E assim fez: na melhor jogada do jogo, acabou junto à linha para colocar a bola na cabeça de Evanilson (65’), brasileiro que substituiu um Fran Navarro que tarda em mostrar os tributos exibidos no Gil Vicente (rapidez nas desmarcações, leitura correta dos espaços, jogar no lado escondido dos defesas). 

Bolas pouco paradas

Neste conto não houve, portanto, mais surpresas. Não foi um grande jogo porque aos dragões interessava fazer uma gestão q.b. do esforço a pensar nas várias batalhas que aí vêm. Mesmo que as oportunidades não surgissem em abundância (antes do golo, só se assistira a um remate de André Franco aos 9’ para boa defesa de Daniel e a oportunidade falhada de Pepê aparecer na cara do guarda-redes, aos 34’), o FC Porto nunca mostrou sinais de impaciência. Cada bola parada servia de exposição de jogadas de laboratório (poucos foram os cantos e livres laterais enviados diretamente para a área) e foi assim que o 1-0 apareceu, na sequência de vários movimentos a tentar enganar marcações até surgir o tal posicionamento enganador de André Franco. 

Foram apenas dois golos, também, porque o Vilar de Perdizes é uma equipa bem organizada defensivamente, que nunca arriscou desdobramentos nem saiu daquele rígido 5x4x1 com que jogou do princípio ao fim. É certo que nem sequer fez cócegas a Cláudio Ramos, mas são realidades muito diferentes: as cãibras de muitos futebolistas desta equipa do Campeonato de Portugal mostram que o andamento é outro. Nem lendo o livro de São Cipriano iriam atingir a felicidade.