De armas letais a problemas sérios: a pressão e a reação à perda no Benfica
Fase do Estoril-Benfica (Foto: Maciej Rogowski/IMAGO)
Foto: IMAGO

De armas letais a problemas sérios: a pressão e a reação à perda no Benfica

NACIONAL13.10.202318:50

Com Roger Schmidt chegaram à liga portuguesa, na época passada, a pressão alta e a reação à perda nas suas versões mais radicais. Ouvimos as duas expressões como nunca até aqui e agora voltamos a ouvi-las pela negativa, uma vez que é precisamente aí que o Benfica parece ter baixado o rendimento e, consequentemente, também aí residirá a razão para ficar mais vezes mais exposto na sua linha defensiva

A época 2022/23 ficou marcada pelo uso frequente do termo ‘pressão alta’, por culpa da agressividade pedida por Roger Schmidt aos jogadores do Benfica sobre a ‘saída’ contrária. É injusto dizer, contudo, que o alemão tenha sido o responsável por um novo conceito, uma vez que há muito que Sérgio Conceição tem implementada a prática no FC Porto e também Jorge Jesus quis seguir o mesmo caminho, embora nunca tenha encontrado a solidez necessária para que esta vingasse durante a segunda passagem pela Luz, o que o obrigou a baixar o 'bloco' e usar um terceiro central, quando viu o seu meio-campo e defesa tantas vezes expostos à transição contrária. 

Na verdade, Schmidt mostrou-se ainda mais agressivo ou radical na tentativa de 'xeque' à construção do rival, sobretudo no número de unidades implicadas. O alemão queria seis, sete jogadores ligados ao momento, o que acarretava riscos, mas podia trazer benefícios imediatos, o que acabou por acontecer na primeira metade da temporada. A grande novidade em relação ao passado na Luz foi, sobretudo, o foco na contrapressão, ou seja, na reação à perda. O técnico sempre ‘obrigou’ as suas equipas a perseguir a bola em enxame e recuperá-la.

Roger Schmidt, treinador do Benfica, com dura missão pela frente (Imago/Gribaudi/ImagePhoto)

O que é isso de pressão alta e contrapressão? Comecemos pelo primeiro conceito, ou seja, o 'pressing' exercido sobre a ‘saída’ do rival. A palavra não é nova, basta lembrar os tempos do 'futebol total' da Holanda de Rinus Michels, do Milan de Arrigo Sacchi ou do Dínamo Kiev de Viktor Maslov, primeiro, e Valeriy Lobanovskyi, depois. Até à década de 70 – o primeiro Mundial do México impedia a existência de qualquer tipo de pressão alta, perante o calor insuportável durante os jogos, agendados precisamente para os períodos de canícula, a fim de permitir o acompanhamento planetário por via da televisão–, o 'pressing' é feito apenas sobre o portador e já em território defensivo, ou seja, 'para cá' da linha de meio-campo. No entanto, depois de o Brasil atropelar a Itália no Azteca e voltar a coroar Pelé como 'rei', o jogo muda. Na sequência das melhorias no treino, na medicina, na alimentação e nos suplementos, há finalmente atletas todo-o-terreno e o campo torna-se 'mais pequeno'.

A pressão alta pode ser feita com dois objetivos: recuperar simplesmente a bola para reiniciar a construção – ideia professada até aqui por Pep Guardiola, que quer equilíbrio no momento de posse e obriga os seus jogadores a seguir uma regra de (pelo menos) 15 passes antes de arriscarem uma rotura e assim não serem apanhados em contrapé –; ou recuperar para atacar de imediato a baliza contrária e fazer golo, linha seguida por Jürgen Klopp e a escola progressista alemã, onde se inclui Roger Schmidt. 

A pressão alta também pode ser feita sobre o homem, sobre a zona ou ser ainda mista. No caso do treinador dos encarnados é sobretudo individual. Já Klopp inclui a 'cover shadow', a pressão sobre a linha de passe, ou seja, o avançado que pressiona o portador coloca-se entre este e um possível recetor, eliminando dois jogadores com o mesmo movimento. A equipa pode adotar a estratégia para todas as unidades pressionantes ou fazê-lo apenas com um ou dois elementos para obrigar a que a bola entre no espaço pretendido e pré-determinado.

Ainda no momento de pressão, os blocos devem estar próximos, o que expõe o espaço entre linha defensiva, muito subida, e o guarda-redes. A velocidade e o conforto fora do seu território habitual devem fazer parte do perfil dos últimos homens da equipa. No entanto, não é só. Os defesas têm de ser também agressivos e controlar o espaço à sua frente, fazendo 'encurtamentos'. É fundamental apertar zonas 'entre linhas', impedir que o adversário saia. 

João Neves e António Silva têm sido fundamentais para Benfica esta época (IMAGO / Maciej Rogowski)

Há também modelos intermitentes. Trata-se uma pressão movida por catalisadores, que se inicia quando a bola entra no elo mais fraco – aquele que passa pior ou é mais lento a decidir –, numa posição específica – num dos laterais, por exemplo – ou o jogador que recebe a bola está virado para a sua própria baliza e assim mais exposto à agressividade que surge nas suas costas.

Se a pressão falhar, o corredor central é uma zona de alto risco, uma vez que é uma linha reta para a baliza, o que pede aos centrais foco permanente e coragem: os médios defensivos vão acompanhar os avançados vários metros mais à frente. É preciso não esquecer uma regra importante e básica: só há fora de jogo para lá da linha de meio-campo. Se a equipa não se sente confortável neste momento, nasce a dúvida e aumentam os problemas. Basta olhar para onde estavam habitualmente Florentino e Enzo Fernández e estão agora João Neves e Kokçu, quando o Benfica não tem a bola. É preciso um 'timing' perfeito e muitas vezes o novo 'duplo-pivot' atual é apanhado a meio-caminho, embora o problema comece naturalmente mais à frente.

A contrapressão ou reação à perda é um conceito diferente. É a tentativa de recuperar a bola depois de perdê-la. Obriga a uma reação imediata de quase toda a equipa durante um curto período (Guardiola quer que se estenda, no máximo, seis segundos), é um 'cerco' em alcateia (em enxame, na terminologia de Schmidt). Se não funcionar, tem de dar pelo menos tempo para reagrupar. Para que seja eficaz, as unidades devem estar próximas entre si quando perdem a bola (daí a regra dos 15 passes para o técnico espanhol). 

É não só um momento defensivo como também ofensivo. Não há altura em que o rival está mais desorganizado, uma vez que, afinal, acabou de recuperar a bola enquanto defendia e tenta sair em contra-ataque. «Não há melhor número 10 do que o 'gegenpressing'», lembra sempre Klopp, quando se refere à contrapressão que as suas equipas implementam em campo.

Há riscos naturais neste modelo de jogo. O imediato é o de a pressão falhar e a transição ofensiva contrária resultar, porque nem todos os elementos têm o perfil necessário e alguém chegou atrasado uma ou duas vezes. Outro é não durar 90 minutos. Aquele que parece mais de longo prazo é o desgaste mental e psicológico de focar de três em três dias lá mais para o fim da época. Os dois primeiros têm acontecido mais vezes este ano no Benfica.

Petar Musa tem sido a principal aposta para substituir Gonçalo Ramos

Os encarnados perderam Gonçalo Ramos, cujo índice de trabalho sem bola é superior a Musa e ainda está mais distante de Arthur Cabral e Tengsted. Logo, a bola passa mais vezes, até porque o Benfica pressiona em 4-4-2 e ao lado do avançado-centro está… Rafa Silva. Daí que na Liga dos Campeões, Schmidt tenha sentido necessidade de tirar o ponta de lança para manter Rafa e subir Aursnes para a 'posição 10', a fim de tapar o corredor interior.

Além disso também o resto do tridente é hoje menos sólido defensivamente: de João Mário e Aursnes passou-se a João Mário e Di María. A bola passa ainda mais. O 'duplo-pivot' é, por sua vez e em teoria, mais eficaz na gestão da bola, mas menos forte a recuperá-la. De Enzo e Florentino passou-se para Kokçu e João Neves, que apesar de funcionar como 'bombeiro', não dá para tudo. Várias outras bolas que não passavam antes começaram a passar. Sem Florentino em campo, a contrapressão é muito menos eficaz. Logo, o último setor está muito mais exposto, o Benfica consente muito mais finalizações aos adversários. O jogo fica partido e o risco de se sofrer golos aumenta exponencialmente.

Problema de pressão no Benfica

12 outubro 2023, 18:00

Problema de pressão no Benfica

Águias não fazem o ‘pressing’ da época passada e disso se ressente o jogo da equipa; Schmidt não muda filosofia; a opinião de treinadores de duas gerações diferentes

Por outro lado, a pressão também não tem sido favorável para as águias no momento em que são pressionadas pelos rivais. É a outra face da moeda. E é esse equilíbrio de o técnico germânico tem tentado encontrar. Por um lado, jogadores com grande à-vontade em posse e resistentes ao 'pressing' contrário e, por outro, elementos que 'abafem' os rivais em zonas altas e a recuperem rapidamente. Não é um trabalho fácil.

O treinador alemão corre contra o tempo. Na terceira e última temporada em Leverkusen, por exemplo, a alteração do perfil dos jogadores de várias posições, com um investimento superior a 65 milhões de euros, derivou em fracasso completo, acabando por ser despedido depois de uma goleada em Dortmund (6-2), o que deve, pelo menos, fazer acender sinais de alerta na Luz. Pelo menos, para o mercado de janeiro e sobretudo para o eixo do ataque, no qual já deixou 27 milhões nos últimos meses. O resto terá de ser resolvido pela criatividade ou bom-senso (em alguns casos) de Roger Schmidt.