Problema de pressão no Benfica
Águias não fazem o ‘pressing’ da época passada e disso se ressente o jogo da equipa; Schmidt não muda filosofia; a opinião de treinadores de duas gerações diferentes
O Benfica esta época é uma equipa com menor capacidade de pressão e os números provam-no. Tomando a Liga como exemplo, as águias permitem, em média, que os adversários façam três remates a mais por jogo em comparação com a época passada (10,5 ‘vs.’ 7,2). A explicação encontra-se no dado seguinte: de acordo com a plataforma who scored, a equipa fez 10,7 interceções por partida em 2022/2023 e nesta temporada baixou para 6,9. Tudo somado, conclui-se que a equipa está mais permissiva e ainda não encontrou o ponto de equilíbrio nas transições defensivas.
Nada de novo, o próprio Roger Schmidt já o reconheceu recentemente. «A equipa ainda não está no nível ideal, o nosso jogo ainda não é perfeito. Estamos a sentir algumas dificuldades em manter o ritmo durante o jogo todo. É algo que precisamos de melhorar. Há momentos em que demonstramos grande capacidade de criar oportunidades e noutros momentos perdemos um pouco o foco», afirmou o alemão, na véspera da deslocação ao Estoril.
Traduzindo: a ideia de jogo do treinador assenta no roubo de bola imediato, preferencialmente em zonas avançadas, para imediatamente criar transições ofensivas e chegar à baliza contrária. O Benfica marcou muitos golos assim na época passada. Mas fazia-o com uma linha avançada com Gonçalo Ramos, Aursnes, João Mário e, no meio-campo, Florentino - jogadores que ou não estão no clube ou jogam menos (no caso do norueguês, tem alinhado a lateral).
Segue-se então a pergunta: não tendo atualmente jogadores que garantam essa pressão sobre o adversário, deve Schmidt manter tudo exatamente na mesma ou fazer cedências e procurar novos caminhos? «Não acredito que mude. Ele já provou que vive mais preocupado em manter as suas ideias do que, por exemplo, criar nuances estratégicas consoante o adversário», observa Filipe Cândido.
Dito de outra forma: se nem circunstancialmente se assiste a alterações, nem que sejam apenas subtis, não se espere mudanças mais estruturais, refere o treinador de 44 anos, cujo último clube dirigido foi o Nacional da Madeira. E provavelmente é a decisão mais correta: «Porque já mostrou que dá resultado.»
João Alves também acredita que a continuidade é o caminho mais provável, embora ressalve que um treinador «deve sempre adaptar-se aos jogadores que tem», o que vai variando de ano para ano. «É esta capacidade de gestão que define um treinador», lembra a ex-glória encarnada e atual comentador, de 70 anos.
Fator Gonçalo Ramos
As lacunas são fáceis de identificar. A ausência de Gonçalo Ramos ainda não foi devidamente preenchida, e não é só por causa dos golos que o internacional português marcava. «Não por acaso ele é considerado um dos melhores avançados do mundo, ele é muito bom nos quatro momentos do jogo. Marca e defende muitíssimo, só ele, sozinho, faz com que a equipa suba, ganhe confiança e saiba o timing certo para roubar a bola ao adversário e partir rapidamente para a área», aponta Filipe Cândido.
«É um dilema para um treinador: como manter a filosofia, mas com jogadores com outra qualidade? É uma questão de tempo e acho que ele continua à espera de que os pontas de lança consigam fazer o que ele pede», insiste o também antigo avançado, embora reconhecendo que Musa, por exemplo, «não consegue fazer o que Ramos fazia».
Kokçu também é um jogador que não garante a mesma capacidade de pressing, por exemplo, de Aursnes.
«Arthur Cabral, Musa e Tengsted são, obviamente diferentes. Mas nenhum jogador é igual. O que deve ser feito nestas circunstâncias é encontrar alternativas para potenciar os jogadores que tem à disposição», afirma João Alves, que relativamente ao dinamarquês encontra algumas «características interessantes», o mesmo dizendo de Jurásesk, «um bom lateral que precisa de tempo».
Curiosamente, as águias até rematam mais esta época
«Kokçu também é um jogador que não garante a mesma capacidade de pressing, por exemplo, de Aursnes», é outra das lacunas encontradas por Filipe Cândido, que a exigência da Liga dos Campeões expôs. De qualquer forma, diz, «o Benfica não está assim tão diferente no campeonato» e independentemente de quem seja o avançado escolhido, os encarnados têm «muito mais a ganhar» com um homem de área em vez de «quatro jogadores móveis na frente», como se viu frente ao Inter, em Milão, para a Champions.
Schmidt ainda procura a solução certa no ataque. Na Liga 2022/2023 o Benfica atacava em versão tsunami, com 9,6 remates dentro da área por jogo, 2,3 remates na pequena área e apenas 5,2 disparos fora da área, em contraste com os registos de 2023/2024 – mais remates fora da área (6,1 por partida) e menos na pequena área (1,5).
Curiosamente, as águias até rematam mais esta época do que na temporada transata (18,9 por jogo ‘vs.’ 17,1), mas marcaram menos oito golos em comparação com os primeiros 11 encontros da primeira época de Schmidt na Luz. A menor eficácia estará explicada nos tais desequilíbrios que tardam em ser resolvidos.