Segunda parte da entrevista com Bruno Pereira, que já treinou em cinco países asiáticos e teve experiências impensáveis, mas que o ajudaram na carreira
- Como é que trabalhar em vários países o ajudou enquanto treinador?
- Não tenho dúvida que sou um treinador mais completo por causa disso. Todas as experiências em diferentes contextos culturais, com formas de estar e de intervenção que nunca podem ser as mesmas, em termos de planeamento e de intervenção com os jogadores… Todas as experiências trazem diferentes problemas e soluções e isso requer uma capacidade de adaptação constante.
Primeira parte da entrevista com o treinador português do Al Orooba, que tem perto de 20 anos de experiência. Depois de ter conquistado títulos em diferentes países, agora está perto de subir à 1.ª divisão dos Emirados Árabes Unidos com uma época praticamente imaculada
- O Bruno começa o seu percurso em vários clubes da ilha da Madeira, de onde é natural, e dá um salto, em 2011, do Camacha para o Al Ittihad, da Arábia Saudita. Como é que passa de um clube regional para um dos principais emblemas do continente asiático?
- Surgiu pelo convite do Vítor Campelos, atual treinador do Gil Vicente. Já o conhecia há algum tempo, fizemos um dos cursos da UEFA juntos e mantivemos sempre o contacto. Ele trabalhava com o Toni, o antigo treinador do Benfica e ele assinou contrato em janeiro com o Al Ittihad, o Vítor Campelos fazia parte dessa equipa técnica e na altura precisavam de alguém que ajudasse na parte da análise e fui contactado nesse sentido. A Arábia Saudita hoje ainda é o país com a cultura mais fechada do Médio Oriente, mas era ainda mais fechada na altura. Fui com mente aberta, senti-me bem e se há característica que me define é a minha capacidade de adaptação a diferentes contextos e fruto desta experiência mais precoce deu-me uma bagagem que me permite vivenciar diferentes situações sem qualquer dificuldade de adaptação.
- Para além de ter estado na equipa técnica de Toni, também trabalhou com Leonardo Jardim. Como é que estes treinadores o influenciaram na carreira?
- O Leonardo começou jovem como eu como treinador principal. Comecei a trabalhar com ele quando ele tinha 31 anos e era treinador principal do Camacha. Via-se que era um líder nato, um estratega e um treinador que sempre achei que lia muito bem nas equipas no decorrer do jogo.
O Toni é um gentleman do futebol, é uma pessoa muito genuína com uma paixão enorme, cuja própria imagem era a sua marca de liderança. Bastava estar presente e os jogadores verem a sua figura, que o respeitavam de imediato. Tudo o que ele dizia era levado muito a sério.
Na terceira e última parte da entrevista com o treinador do Al Orooba, o português fala do seu estilo de jogo, da Liga portuguesa e das memórias que tem do futebol quando era uma criança madeirense
- Que dificuldades é que um treinador no Médio Oriente tem de passar que não existem na Europa?
- Diria sobretudo o calor, em períodos de Ramadão também não nos é possível ter a intensidade que gostaríamos de ter nos treinos ou nos jogos. Às vezes as rezas demoram mais tempo e por isso, às vezes só começamos a treinar às 22.30 horas. Com as temperaturas, às vezes é normal ficarmos mais molengões e alguns jogadores sofrem um pouco disso [risos].
- Lembrando os muitos países por onde passou, qual é o episódio mais caricato que experienciou, em termos de choque de cultural?
- [Risos] foram tantos… lembro-me de um que aconteceu, não por falta de profissionalismo dos jogadores, mas aconteceu num jogo em Omã. No meu primeiro jogo no Al Nahda empatámos fora com o 2.º classificado e no segundo jogo jogamos em casa com o 1.º classificado e invicto Al Suwaiq. Estávamos a ganhar 1-0 ao intervalo, viemos do balneário, o árbitro apita para o início da 2.ª parte e eu comecei a contar os jogadores e vi que faltava gente ali. Entrei em pânico. Faltavam dois jogadores.
Um voltou passado 15 segundos e outro passado 30 segundos. Foi hora de reza no intervalo e esses dois artistas demoraram um pouco mais [risos] os colegas não esperaram e ficámos aí 30 segundos com menos dois jogadores em campo. Menos mal que não sofremos golo e ainda vencemos o jogo por 2-0. A reza demorou mais um pouco, mas funcionou.