A BOLA FORA O medo no E. Amadora era tanto que à mulher só lhe apetecia vomitar
Neste novo episódio de A Bola Fora, o convidado é Pedro Mendes, 33 anos, defesa central que após muito tempo no estrangeiro regressou a Portugal, pelo Estrela da Amadora, e continua sem clube. Ao seu lado, a companheira Joana, também ela interveniente nesta entrevista.
Na época passada, regressas a Portugal depois de 11 épocas fora pela porta do Estrela da Amadora foi um relançar de carreira?
Posso dizer que sim. Não começou da maneira que eu queria. Claro, uma pessoa quer chegar ver e vencer e não foi assim. O meu tempo só chegou a partir de Janeiro. Quando chego está a fechar o mercado. Já havia duas jornadas de campeonato. Não fiz pré-época. Mais um ano sem pré-época. E havia também o fantasma do passado, não é? Apesar de jogar na equipa B do Montpellier não é a mesma coisa. Ou seja, estás a jogar com equipas amadoras. Não era a mesma coisa mas o último jogo que me ficou na memória foi esse terrível jogo que não acertei uma. Até para mim era como é que eu vou estar? Quando te dão a oportunidade, não podes transparecer que tens dúvidas nem nada. Mas por dentro não estás nada pronto. Estás cheio de dúvidas. Como é que vou estar? Não posso exteriorizar isso, só desejava com o azar que eu tinha, de não me lesionar no aquecimento. Seria uma vergonha para mim, para toda a gente. Primeiro jogo, o homem dá-me a oportunidade e olha o que seria eu lesionar-me no aquecimento. Mas pronto. Micro vitórias. O aquecimento já está. Acabou o aquecimento, cheguei ao balneário. Agora vamos para campo, que seja o que Deus quiser. Vamos a isso. Já rezei, já fiz o que tinha a fazer. Estou protegido. ‘Bora’. Vamos a isso. Primeiro lance. Não sei se foi o primeiro lance. Um carrinho. Top. O joelho… consigo levantar-me. O joelho não se dá nada por ele. Tranquilo. Segundo lance. Outro carrinho.
JOANA: E eu a ver na televisão ou no estádio, já não me lembro. Outro carrinho. Em pânico. O meu pânico era tanto. Eu acho que o ano passado apanhei tantos nervos como nunca tinha apanhado na minha vida. Estava tão nervosa por ele. Porque estava a correr-lhe bem, mas eu achava, ai meu Deus, e se corre mal. Que eu até tinha vontade, nos intervalo dos jogos, de vomitar. Nós estamos juntos há 12 anos e nunca me aconteceu isto. Muita gente não entende e pensa “isto é só um jogo”. Sim, mas não é. É a nossa vida.
PEDRO: Isto também porque na altura que me lesionei foi época de Covid. Estádios vazios e jogos em casa. E foi contra o Lille. Ela estava sozinha. Estádio estava vazio, Os meus gritos, as imagens, a maca.
JOANA: Nada fácil. Vê-lo gritar. Lesionado. Num país que não é o meu. Não tenho família. Não tenho ninguém ao meu lado a quem me possa socorrer. Para me dar uma palavra de conforto. Ou para dizer, não ele vai ficar bem. Portanto, foi muito difícil. E acho que isto ficou um bocadinho na minha memória. Fiquei traumatizada por causa disto.
PEDRO: E é engraçado porque apesar de termos lutado para não para não descer, no Estrela tive um balneário rico em histórias. Malta do estrangeiro com muitas histórias enriquecedoras. Eu dizia assim. O que é a minha história em relação à história deste, deste, deste e deste? Não é nada. É só uma coisa que faz parte do meu trabalho. Aquilo é a história de vida. Aquilo que ele passou e aquele e aquele e o que outro. E depois para além disso tínhamos um grupo muito saudável. Muita risada. Muita palhaçada. Havia outros fatores, se calhar que que acho que agora já está tudo em condições mas que se calhar mexia ali um pouco com o seio com o bem-estar ali do grupo. Mas entre nós um ambiente mesmo dos melhores que eu já vivi. Isto para dizer que um dos carrinhos que faço ali junto ao banco de suplentes senti os meus colegas também estarem felizes por mim. Ou seja, levantaram-se e agarraram-se a mim. “É isso!” Deu uma continuidade ali de 10 jogos. Se não estou em erro a titular. Nem sempre a 90 minutos mas uma continuidade que não tinha há muito tempo e nem eu acreditava. Se me perguntasse antes de assinar no Estrela se eu achava que iria fazer sei lá, 2, 3 jogos, se calhar mais outros 2 no banco. Depois mais um depois outro no banco. E não. Foi sempre a progredir em termos de minutos. Numa segunda volta ainda fiz, sei lá, 80% dos jogos ou mais até.
Ser empresário dele próprio
A renovação não esteve em cima da mesa?
Não. Tinha um contrato de 1 mais 1. E o mais 1 estava do lado da direção. E depois não soube mais nada. Soube que simplesmente não era para continuar.
Ficas livre, como é que foram as tuas férias? Sempre a pensar nisso e agora será que algum clube vai bater à porta? Como é que tens lidado com isso?
O ano passado sim foi complicado. Derivado à época precedente no Montpellier. Não tinha feito jogos e estava um pouco preocupado com o futuro. Quem é que me vai querer? Quem não? Tens contas para pagar. Tens coisas para gerir. Este ano, derivado aos últimos 6 meses que fiz no campeonato português e no Estrela, pensei que estava tranquilo, entre aspas, porque pensei que me iria abrir portas para outras equipas. Estrela não quer, mas podia querer outra equipa da I Liga. E sempre dei primazia que viesse uma equipa da I Liga daqui ou no estrangeiro. O tempo foi passando. Houve algumas abordagens de outras equipas, nomeadamente da 2ª Divisão, mas eu sempre com aquela ambição de I Liga e fui deixando o tempo passar porque acreditava que alguma coisa realmente ia chegar. Não chegou. Começas a ver o mercado a fechar. Continuo a seguir. Fazemos sempre uma semana de férias. E voltei de férias, à minha base normal. Segunda, terça, quarta, quinta e sexta treino, como se fosse num clube. Fim de semana é jogo. Como eu não tenho clube, não jogo. Pronto. Fim de semana, off. Eu pensei, o telefone vai tocar, estou pronto. Ninguém me ligou.
Os clubes também estão condicionados por essa parte física?
Não pode haver porque isso para mim, se existe, é uma desculpa. Porque tu não podes dizer que há uma desconfiança física quando eu jogo contra o Porto ou contra o Benfica e não há problemas alguns. Ou que dê uma continuidade, jogos a titular e que não tenho problemas nenhuns. Se tivesse um problema físico, ao fim de 3 jogos não dá mais, rasguei. Não foi o caso. Portanto, em 6 meses houve uma continuidade de jogos a titular. Depois, podem dizer, “não consegues meter 5 passes entre linhas? Não tens a velocidade que pretendemos? Não tens, sei lá, não saltas 2 metros? Não sabes jogar de pé esquerdo?” Eu até digo, ok, pronto, isso são atributos físicos, competências que não se enquadram com o teu clube ou com a tua maneira de ver o futebol. Mas agora dizeres-me que não estou bem fisicamente quando faço os últimos 6 meses seguidos, para mim já será desculpa. O que eu sinto é que o mercado está completamente mudado. Isto é, há uns anos queriam-se muitos jogadores livres. Não importa a idade. Não se paga transferência e poupa-se na transferência para se dar no salário e prémios de assinatura, comissões, etc. Eu neste caso não tenho agente, portanto, também não é a desculpa de ter de pagar comissões ao agente. Neste momento, O que eu ouço nas respostas é quando tu pesquisas um carro e metes no filtro até x quilómetros, aqui os filtros são até 30 anos. Depois dos 30 já é velho. Tenho ouvido em muitos sítios “ah, tem 34 anos”. Ok, mas se quiseres um ano de jogos, tenho todos os jogos sem batota. Não te vou mostrar os melhores momentos. Mostro-te todos. Os 90 minutos. Vês o jogo todo. E depois tu vês se gostas ou se não gostas. Não me fales de idade.
E tu tens paciência para fazer esse trabalho? Porque o facto de tu não teres empresário, obriga-te a ter que fazer essas ligações, essas chamadas. Tens paciência para isso?
No fundo, não sou eu que faço uma primeira abordagem. Vêm ter comigo. O que é que o empresário vai tentar fazer? Tentar colocar-me, retirar a comissão, que lhe é por direito, e está tudo certo. Eu tendo agente, pode haver aqui uma partilha de comissão, pode não se chegar a acordo, eu não sei de nada, porque eles não se entenderam, e acabo por não ter... Não sei se estou a fazer certo ou se estou a fazer errado. Sei por onde é que estou a ser falado, sei, porque passo uma data a ti, àquele e àquele outro, para x equipa, de data tal a data tal. Se vier outro e disser, olha, é para aquele sítio. Não, amigo, para ali não dá, porque já passei para ali. E é assim que eu estou a funcionar. Agora, se me vierem falar da idade, para mim, isso não faz qualquer sentido. E hoje em dia está muito em números. Está em mais valias. Apostar num jovem jogador que acho que fazem muito bem, mas para vender, para retirar mais-valia, e quem sofre neste momento, nesta fase do mercado, somos nós os mais velhos.
No teu tempo era o contrário...
Em Itália, fui lançado aos leões, tinha feito um jogo para a Taça, com o Parma, e do nada, acho que o Donadoni também às vezes tinha essas pancadas, de lançar assim e vamos ver o que é que ele dá. E lançava assim jogadores que eram desconhecidos para a massa adepta, para o clube, mas ele também tinha de acreditar num jogador. E lança-me contra a Juventus. E o jogo corre-me super bem. O adjunto veio falar comigo. Se eu fiz um bom jogo com a Juventus, campeã em título, não sei quantos títulos consecutivos, eu acho que tenho capacidade para jogar com qualquer outra equipa. “Ah, eu sei, mas tu já viste que idade é que tens? 23, ainda tens muito para aprender”.