Ter sorte é uma coisa que dá imenso trabalho

OPINIÃO30.03.202206:30

O Ronaldo de ontem à noite foi Bruno Fernandes, de resto a equipa jogou como sempre; como o treinador quer que jogue e como Ronaldo e Pepe, dentro do campo, mandam

S ÃO os dois do Manchester United, o capitão da Seleção com 37 anos, mais 10 que o seu companheiro Bruno Fernandes. Mas ontem à noite foi este último o marcador de serviço, sendo que o primeiro dos dois golos lhe foi oferecido por Cristiano e o segundo correspondeu a um centro de Diogo Jota de forma brilhante, sem deixar cair a bola.
No fim havia um senhor com dois dedos, em sinal de vitória, no Dragão. Era Fernando Santos. O treinador tantas vezes criticado, tantas vezes dado como acabado, cometia a proeza de conseguir classificar Portugal pela sexta vez consecutiva para uma final de um Campeonato do Mundo. Dele foi a responsabilidade em 2018 e agora. Em 2014, curiosamente, já tinha conseguido ir ao Mundial, mas ao leme da Grécia.
O engenheiro que há oito anos comanda os destinos da nossa Seleção tem agora uma tarefa árdua. Com um Mundial a realizar-se em novembro/dezembro - o dinheiro assim o obriga porque no Catar jogar no Verão, só com ar condicionado - tem de manter e renovar o grupo. Mas, atenção! Isso é o que ele tem feito. Veja-se a baliza, onde Diogo Costa parece disputar a titularidade a Rui Patrício; veja-se Nuno Mendes, que neste jogou tirou o lugar, logo de início, a Raphael Guerreiro; ou Otávio, que depois de se tornar português, fez desaparecer Gonçalo Guedes, André Silva e, em parte, João Félix, embora este último ainda tenha muito para dar (e André e Gonçalo também, por certo, até porque só têm 25 e 26 anos). Ora uma Seleção que tem um senhor de 39 anos com um nível exibicional impressionante (refiro-me a Pepe) e um senhor de 37 que ainda dá cartas à frente (Ronaldo) pode prometer décadas de felicidade a qualquer jogador.
Além disso, o trabalho da Federação, do presidente Fernando Gomes ao diretor-geral Tiago Craveiro (que vai assumir um cargo na UEFA), sem esquecer os restantes, com destaque para José Couceiro (por motivos que se entendem, uma vez que foi ele próprio treinador de futebol, além de ser sobrinho-neto de Peyroteo), toda a gente da FPF que conseguiu uma profissionalização incrível, de que a Cidade do Futebol é uma montra, contribuiu para estes feitos. Que se resumem assim: desde o ano 2000, seja Europeu ou Mundial, estamos em todas.
Ora é isto apenas sorte? Não creio.


O SANTINHO

N ÃO poderia estar mais de acordo com o modo como Gonçalo Guimarães definiu, na passada sexta-feira, o adepto típico da Seleção. Somos, é verdade, uma espécie de ciclotímicos com oscilações constantes de humor, acerca da equipa de todos nós - quando ganha -, e a mesma equipa miseravelmente treinada por Fernando Santos com um Ronaldo com o prazo de validade esgotado, quando o resultado não é bom. Acresce que, quando não é uma coisa nem outra, lá vem a velha conversa da sorte.
E sorte, no jogo contra a Turquia, não faltou. Toda a gente se lembra do penálti que, aos 81 minutos de jogo, o turco Burak Yilmaz atirou para as nuvens. O mesmo Yilmaz que aos 65 minutos nos deixara aflitos quando havia reduzido o score para 2-1, depois de uma espécie de oferta da defesa portuguesa. A falha incrível do avançado da Turquia não foi mau olhado, porque nesse momento, a maioria dos portugueses estavam a pensar: «É sempre a mesma coisa, andamos aqui a dormir e depois os tipos empatam.» Na verdade, sabe-se lá o que aconteceria se o golo tem entrado. Ainda por cima numa partida em que Ronaldo parecia uma sombra.
Depois, lá vieram umas substituições já mesmo no fim do jogo e Matheus Nunes conseguiu arrancar o 3-1, numa altura em que os turcos já andavam desesperados, com a equipa partida, a tentar o empate que haviam displicentemente perdido com o penálti nas nuvens.
É certo que depois, não nos lembrando dos vários azares que tivemos em remates diversos e das boas defesas do guarda-redes da Turquia, remetemos tudo para a sorte. Ao mesmo tempo, ou pouco antes de consolidarmos, a um minuto do fim do jogo (já com os descontos) o 3-1, a Macedónia do Norte fazia, inacreditavelmente, para a maioria dos adeptos de futebol, o 0-1 com que acabou o jogo em Palermo, resultando no encontro da noite de ontem.
Sorte! O Fernando Santos, o Santinho, nasceu cheio de sorte e por isso alcançou para Portugal, a nível de Seleção, títulos que mais nenhum foi capaz. Não brinco, há muita gente a reduzir tudo à sorte, como se não existissem decisivos e importantes fatores na gestão de Fernando Santos.
 

Cristiano Ronaldo e Bruno Fernandes deram continuidade, na Seleção, à conexão em Manchester


DE TRÁS PARA A FRENTE

N O contrário de outros treinadores que se tornaram famosos num instante, o engenheiro Fernando Santos, depois de jogar ele próprio futebol, como defesa, em clubes médios (Estoril e Marítimo) fez uma carreira com todos os degraus. Durante sete anos treinou o Estoril, que promoveu à I Liga em 1990/1991. Já lá jogara 13 anos (com uma interrupção no meio para jogar no Funchal). Depois, passou para o Estrela da Amadora, onde chamou mais a atenção. Esteve quatro anos, entre 1994 e 1998 e conseguiu a que é a melhor classificação do clube (entretanto desaparecido, nos moldes em que então era organizado). Essa classificação, um simples 7.º lugar em 1998 foi suficiente para, sendo substituído por Jorge Jesus na Amadora, rumar ao Porto onde ficou até 2001. Em 1998/1999 cometeu a proeza de bater o recorde de vitórias seguidas de um clube no campeonato, dando a quinta vitória consecutiva aos dragões, que deixaram o Benfica a 14 pontos e o Sporting a 16. Curiosamente, o 2.º classificado foi o Boavista, a oito pontos. Claro que o treinador teve a sorte de beneficiar do trabalho de Bobby Robson, Artur Jorge e António Oliveira que antes dele ganharam quatro campeonatos. Mas ele esteve ao comando no quinto, ultrapassando deste modo o tetra que era do Sporting, na época dos Cinco Violinos. Também, curiosamente, foi o Sporting a interromper a série, vencendo o campeonato de 2000, o que não acontecia desde 1982.
Treinou depois o AEK de Atenas e o Panatinaikos, para em 2003/2004 voltar a Portugal, ao Sporting. Na Grécia saiu-se bem e voltaria ao AEK e ao PAOK e mesmo à seleção grega. Por cá, no Sporting, ficou-se por um terceiro lugar e, mais tarde, em 2006/2007, veio novamente da Grécia, desta vez para o Benfica. Na Luz também não conseguiu melhor do que o terceiro lugar, atrás do FC Porto, que foi campeão, e do Sporting.
De novo na Grécia, no PAOK, em Salónica, passou para a seleção grega, onde conseguiu o melhor lugar de sempre num mundial - a presença nos oitavos de final.  Finalmente, chegou à seleção portuguesa, onde venceu o maior título de sempre: o campeonato da Europa de 2016 e também a Liga das Nações em 2019. Ganhou prémios de melhor treinador do mundo, e a FIFA, em 2016, consagrou-o como um dos três melhores treinadores de todo o planeta.
A hora de abandonar a Seleção chegará, porque ninguém de 68 anos tem um longo futuro (eu que já ando perto sei-o bem). Mas seja esse dia quando for, uma coisa é certa: podemos agradecer aos jogadores e aos dirigentes, mas seríamos muito ingratos se não disséssemos obrigado, bem alto e sentido, a Fernando Santos. 


JOGAR FORA

PAULO BENTO

Apesar de ter perdido 1-0 com os Emirados Árabes Unidos, no Dubai, Paulo Bento apurou a Coreia do Sul para a fase final, ficando a dois pontos do 1º do grupo, a seleção do Irão. Os Emirados ainda vão ter de disputar com a Austrália um lugar no mundial, que é ali ao lado, no Qatar.


QUEIROZ

Carlos Queiroz não tem deixado imensas saudades por onde passa. E ontem foi mais uma vez o caso, ao perder numa das finais do apuramento africano para o Qatar, com o Senegal. Perdeu por 1-0, depois de, no Egito, cuja seleção treina, ter vencido também por 1-0. O jogo foi a prolongamento e a penaltis. Aí chegou a desgraça. Salah atirou para as nuvens e a equipa de Queiroz dos quatro penaltis a que teve direito, só marcou um. Apesar de o Senegal ter falhado os dois primeiros. Incrível. É azar? Talvez! 


BALTAZAR PINTO

O ex-presidente da CFD do Sporting e juiz-conselheiro jubilado, que por razões pessoais abandonou os corpos sociais leoninos, disse que Artur Soares Dias era o pior árbitro de Portugal. É possível, mas do que não há dúvida é que a competição é cerrada.