O episódio Kokçu vem reforçar a questão: a taxa de sucesso dos reforços de verão do Benfica foi muito reduzida, mesmo com dinheiro para gastar
Que eu saiba Orkun Kokçu não é perito em comunicação, mas parece: escolheu a melhor altura para dar aquela entrevista porque na ausência de competição de clubes as suas palavras ajudam a preencher o vazio mediático. Não se fala de outra coisa.
As palavras do internacional turco têm criado debates interessantes sobre a pertinência, legitimidade e motivos para tais declarações e admito que todos os pontos de vista são aceitáveis.
Não me atrevo, porém, a fazer qualquer juízo de valor em relação ao camisola 10 das águias. Porque ainda será necessário perceber a história toda: se se tratou de um ato precipitado ou se pelo contrário foi algo muito calculado, admitindo perdas imediatas mas ganhos futuros.
Não vejo grandes diferenças, por exemplo, entre esta entrevista e a que Vlachodimos concedeu a um órgão de informação grego em abril de 2021, quando afirmou sem rodeios que tinha chegado o momento de sair do Benfica após ter perdido a titularidade para Helton Leite. «Estou pronto para seguir em frente. É algo que quero. Consolidei a minha carreira, conquistei títulos e joguei a Liga dos Campeões e a Liga Europa. O Benfica deu-me muito, mas penso que estão reunidas as condições para dar o passo seguinte. Agora é altura de tentar um novo desafio», afirmou.
A história diz-nos que tudo aconteceu ao contrário. Nem o guardião saiu naquele ano como recuperou o estatuto e só três anos mais tarde acabou por abandonar o clube pela porta pequena num processo que mostrou um Roger Schmidt menos empático e cujas consequências na sua relação com o balneário só daqui a uns tempos iremos compreender de uma forma mais clara.
Numa grande entrevista à publicação neerlandesa 'De Telegraaf', o médio internacional turco do Benfica confessa-se revoltado, não poupa Schmidt e reclama maior protagonismo na equipa
Mais que eventuais repercussões para o jogador ou para a dinâmica de grupo, considero que o mais relevante não é o que disse Kokçu ou o timing das suas palavras, mas sim porque o disse. Não é preciso abrir muito as entrelinhas para perceber que há um problema de egos no balneário. Não que seja uma novidade, isso existe em todos os grupos, mas o episódio revela alguma falta de tato na gestão de cabina.
Não acredito que o médio tenha mentido ao afirmar que já falara sobre o assunto com as pessoas certas; e também não creio que o treinador do Benfica tenha faltado à verdade ao demonstrar a sua admiração e perplexidade pela entrevista do jogador. Logo, o que pode estar aqui em causa é uma falha de comunicação latente e bem mais extensa, que se tem traduzido em erros na preparação de jogos e, vê-se agora de modo mais cru, na interpretação de sinais que já estariam à vista – Kokçu parece desde há muito, de facto, um jogador triste.
Este caso reforça ainda outra questão: o Benfica teve uma taxa de acerto muito reduzida nos reforços de verão, mesmo tendo muito dinheiro para gastar. À exceção de Trubin (com falhas aqui e ali, porém o balanço é claramente positivo para o ucraniano) e Di María (boa época do argentino no plano individual, mas a equipa coletivamente não parece melhor), foram muitos erros de casting. Falhas na análise do ponto de vista técnico, mas também de perfil (incluindo o psicológico) que devem convocar uma reflexão muito profunda na SAD liderada por Rui Costa.
Médio deixou mensagem nas redes sociais
Kokçu decidiu dar agora um grito, mas fica a ideia de que a dor existe há muito e tem sido tratada com analgésicos de curta duração. A águia ainda vai a tempo de encontrar a cura?