Rui Costa… Concórdia?
Bruno Lage é treinador do Benfica até 2026. Foto: Miguel Nunes

Livre e direto Rui Costa… Concórdia?

OPINIÃO07.09.202409:00

Os 'spin doctors' do Benfica, aliás, passaram a semana numa azáfama de promoção do nome de Bruno Lage, traduzida em entrevistas de antigos jogadores a vários órgãos de comunicação. Livre e Direto é o espaço de opinião de Rui Almeida.

Foi numa sexta-feira, 13. Na noite tranquila do Mar Tirreno, o Comandante Francesco Schettino entendeu desviar a rota previamente aprovada para saudar a pequena ilha de Giglio, na Toscânia.

Aplicando-se a lei de Murphy à navegação, tudo o que poderia correr mal com a aparente boa intenção do marinheiro napolitano… correu.

O resto é o que a história conta e os passageiros (eu incluído…) viveram, no naufrágio do Costa Concordia, um navio inafundável, obra-prima da engenharia naval italiana.

Os desvios de rota são sempre traiçoeiros. Seja pela impreparação para o desconhecido ou o inesperado, seja porque não correspondem a uma estratégia pensada, trabalhada e considerada para o médio ou longo prazo.

Os desvios de rota, para lá de traiçoeiros, são também arriscados, porque conduzem a uma navegação à vista, sujeita a imponderáveis e a opções apenas conjunturais, deixando, não raras vezes, a emoção sobrepor-se à razão. Sobretudo, quando os navios são gigantes, quando é necessária habilidade, conhecimento e destreza para os manobrar sem tibiezas nem hesitações.

Rui Costa, maestro dentro de um retângulo de jogo, com visão, rigor, medida, ponderação e liderança, procura aplicar no Benfica, enquanto gestor de uma empresa de dimensão estrutural e emocional gigante, os mesmos parâmetros.

E se a teimosia para a manutenção de Roger Schmidt no comando técnico para o início desta temporada havia demonstrado alguém ao leme convicto das suas ideias e apostado num trabalho de longo prazo, as influências exteriores — que, no Benfica, são imensas e começam pela própria contestação interna… — haveriam de ditar uma sentença completamente diferente e passar ao líder máximo uma decisão que, não sendo fácil e não dispondo de tempo, teria de ser suficientemente profunda para equilibrar franjas contestatárias, garantir esperança no futuro imediato e permitir a criação de bases para um trabalho metódico e de longo prazo.

A navegação benfiquista faz-se a cada dia, a cada jogo, a cada ponto ganho ou perdido. E a memória que havia permanecido do novo homem do leme não contemplava os números, que não ajudam na carreira recente de Bruno Lage.

Nos últimos treze jogos à frente do Benfica, Lage venceu dois.

Nos derradeiros 16 ao comando do Wolverhampton, venceu também dois.

No Botafogo, as 15 partidas finais resultaram em quatro vitórias.

Isto é (e, quer se queira, quer não, o aproveitamento é determinante na contratação, como foi, aliás, a falta dele no despedimento de Schmidt…), Lage ganhou oito dos últimos 44 jogos, no conjunto dos três clubes de dimensão apreciável que treinou.

Portanto, a decisão de Rui Costa não foi (não pode ter sido) tomada em função do mérito desportivo absoluto demonstrado por um técnico que — é verdade — foi campeão nacional no clube da Luz mas, no ano seguinte, desbaratou uma muito significativa vantagem, entregando o título ao FC Porto.

O que pesou, então, na decisão do líder encarnado? Seguramente a componente emocional.

Os spin doctors do Benfica, aliás, passaram a semana numa azáfama de promoção do nome de Bruno Lage, traduzida em entrevistas de antigos jogadores a diversos órgãos de comunicação social a enfatizarem os inegáveis méritos do treinador. Adivinhava-se a escolha de Rui Costa, numa fuga para a frente que tenta apaziguar tensões internas, alterações profundas na dinâmica e no funcionamento da SAD, contestação de notáveis e não tão notáveis e, naturalmente, a proximidade crescente de novo ato eleitoral.

O estado da nação benfiquista, longe da navegação em águas tranquilas e de uma estratégia global de desenvolvimento de uma das mais poderosas marcas portuguesas além-fronteiras, vive da crispação das redes sociais, da surdina do protesto, da aparente paz que, agora, garante mais alguns dias ou meses de tranquilidade ao seu presidente, por força do habitual estado de graça resultante de uma mudança de treinador.

Jamais estará em causa a capacidade de Lage, da sua equipa técnica e dos jogadores que integram o elenco da Luz para tentarem atacar os objetivos e as competições da temporada. Ademais, o impacto ruidoso da derrota em Famalicão e do empate em Moreira de Cónegos não corresponde, evidentemente, à diferença que separa o Benfica do topo da classificação da liga portuguesa.

Essa é uma diferença recuperável, tal como a motivação não deverá faltar para a nova fórmula da Liga dos Campeões, já que a Taça da Liga é um troféu reduzido ao mínimo formato (quase insignificante, na verdade…), e a Taça de Portugal será gerida mais à frente no calendário.

A grande questão reside na responsabilidade da decisão, na opção por uma folha salarial certamente mais contida (já que as negociações para a definição da indemnização a pagar a Roger Schmidt não serão fáceis nem sairão baratas…), no aproveitamento da vertente emocional da memória de um título e da atenção dada à promoção de jogadores oriundos do Seixal.

Dividir-se-ão em pemanência as opiniões, e o tempo, como sempre, encarregar-se-á de definir a sua sentença e de marcar a sua história.

Schettino, o comandante do Costa Concordia, arriscou demasiado e perdeu. Na navegação do paquete benfiquista, chegará Rui Costa… à Concórdia?

Cartão branco

Era a peça que faltava para que o puzzle do extraordinário desenvolvimento do futebol no feminino em Portugal ganhasse forma definitiva. A criação, por parte do FC Porto, da sua equipa, representa um passo único para o estabelecimento de uma unidade competitiva transversal, com consequências certamente muito positivas no impacto comercial e mediático da modalidade no país.

Correspondendo a uma garantia pré-eleitoral de André Villas-Boas, a nova equipa azul e branca não fez por menos e, num simples jogo de apresentação, o estádio do Dragão bateu o recorde absoluto de espectadores em Portugal para um jogo no feminino. Só isso bastaria para concluir que a aposta já está ganha.

Cartão vermelho

Simone Fragoso é um dos nomes mais valorosos do desporto paralímpico português. Eclética, trabalhadora, determinada, vencedora. Depois da natação, o desafio do powerlifting, que pela primeira vez praticava no cenário parisiense dos Jogos de 2024. As malhas do doping apertam, são cada vez mais conclusivas e determinantes para a manutenção da dignidade e da verdade na prática desportiva universal.
Simone testou positivo, foi excluída da competição e, ainda que (muito provavelmente com razão e com verdade) afirme que tomou algo proibido, o fez inadvertidamente, leva para a vida a lição de que, a este nível competitivo e em representação de Portugal, todo o cuidado é pouco e todo o impacto de uma notícia destas é imenso.