Perder o jogo, ganhar uma equipa
Tivemos nova exibição de gala dos adeptos. Encontrarão poucos sinais mais animadores nas bancadas da Luz do que este
P OUCOS dias depois de batermos o Barcelona sem apelo nem agravo, perdemos com o Portimonense, em casa, a jogar com aquele que é provavelmente o melhor onze neste momento, no primeiro jogo sem limites de lotação em 18 meses. Parece escrito por um adepto de outra equipa. Agora que penso nisto, estávamos mesmo a pedi-las. Mas, se é verdade que há uns meses isto me teria atirado para um estado de profunda angústia, desta vez deixou-me cheio de ganas. Não tem acontecido muito. Fez-me lembrar uma frase conhecida de Jorge Valdano, cronista genial que pode ser visto nas páginas d’A BOLA a fazer com palavras aquilo que a maioria dos seus colegas do futebol apenas sonhou fazer com os pés. Diz Valdano que «uma equipa é um estado de ânimo». Não podia concordar mais, exatamente agora, ao olhar para um Benfica que ontem saiu derrotado quando absolutamente ninguém o esperava. Até vos digo mais. Cheguei ao final do jogo convencido de que este jogo foi uma benção.
Primeiro, porque pouco ou nada na exibição de ontem foi denotativo de abrandamento. É verdade que a equipa se ressentiu na 2.ª parte e as substituições não correram especialmente bem, mas convenhamos que o Benfica fez o suficiente para ganhar pelo menos 3 vezes ao Portimonense. Acontece que o guarda-redes adversário fez uma exibição extraordinária e os seus colegas souberam aproveitar a única oportunidade clara que tiveram. Venceu a eficácia e a organização defensiva, perdeu a melhor equipa. As dezenas de remates do Benfica e a dúzia de oportunidades falhadas até poderiam ser indicativas de algum problema estrutural na equipa, mas a minha leitura é que esta época temos criado mais e melhores oportunidades de golo, concretizadas por finalizadores de melhor qualidade (ou em melhor momento de forma), e temos feito tudo isto sem demasiados sobressaltos e quase sem situações de desvantagem no resultado.
A tudo isto devemos juntar a atitude da equipa. A atitude é um tema sempre controverso. Começa como aquela abstração que remete para uma análise qualitativa, de cariz mais subjetivo, e acaba geralmente numa verdade em que uns acreditam e outros não. Mas esta época também não tem sido assim: da bravura demonstrada em alguns momentos à acutilância com que entrámos em outros jogos, passando pela inspiração que tem surgido com frequência, sem esquecer o ressurgimento de alguns jogadores que pareciam fatalmente perdidos para a mediania, parece-me consensual afirmar hoje que a atitude da equipa e a sua confiança evoluíram do domínio da subjetividade para uma verdade que todos conseguimos observar no relvado. Aplique-se isto ao contexto específico do Benfica e, sem entusiasmo excessivo, podemos dizer que esta equipa se tem feito, e que, apesar de estar ainda muito longe dos objetivos a que se propõe, tem demonstrado a tal mística em campo. Como é que eu sei isto tudo? Não precisei de perguntar aos 38845 adeptos que ontem estiveram na Luz. Eles responderam antes que alguém tentasse antecipar um divórcio entre a equipa e os adeptos, cantando alto e bom som «eu amo o Benfica» logo após o apito final. Há uns dias ouvimos o Weigl, com a leitura posicional que o tem notabilizado, afirmar que o melhor em campo frente ao Barcelona tinha sido o público. Ontem tivemos mais uma exibição de gala dos adeptos, e nem foi preciso ganharmos o jogo. Encontrarão poucos sinais mais animadores nas bancadas da Luz do que este.
Poucos dias depois de ter batido o Barcelona na Champions, o Benfica perdeu pela primeira vez em 2021/2022, contra o Portimonense
Que mais se pode retirar do jogo de ontem? Eu vejo o copo meio cheio, mas não sou cego. A derrota obriga a equipa a não se contentar com o que já fez, e desafia Jorge Jesus a procurar a melhor forma de garantir mais rotação no onze, sem que isso signifique uma mudança radical na forma de jogar ou uma fragilização da equipa. Fica a sensação de que talvez um onze mais fresco pudesse ter resolvido o jogo de outra forma. Por outro lado, se a qualidade da organização defensiva no esquema de 3 centrais é uma novidade refrescante e um fator de tranquilização sempre que nos colocamos em vantagem, tambem é importante notar que por vezes as equipas de Jorge Jesus - em especial num passado recente - têm dificuldade quando encontram adversários difíceis de desmontar em ataque posicional. Talvez pudéssemos ter abdicado de um dos centrais num jogo em que procurámos a vitória. Por outro lado, há ainda jogos determinantes para avaliar até que ponto o Benfica é ou não o principal favorito. Ganhemos ou percamos contra um Portimonense, é no mini-torneio com FC Porto, Sporting e Sporting de Braga que se decidirá uma parte importante da nossa candidatura ao título.
Há muito pela frente, mas hoje apetece-me repetir que uma equipa é um estado de ânimo. Nada mais verdadeiro. Ainda que o ânimo beneficie dos golos sucessivos, essa galvanizaçao não pode depender exclusivamente de ganhar ou perder jogos. É ai que entra a atitude. Basta recuarmos alguns meses. Talvez os jogadores me desmentissem, mas eu posso jurar que assisti a vitórias do Benfica na época passada em que alguns destes atletas pareciam mais descrentes do que ontem, instantes depois de terem feito tudo o que podiam para vencer o Portimonense. Se a equipa e a sua liderança souberem manter este ânimo, poderão perder mais pontos ou jogos até final da época, mas com a certeza de que nunca se darão por vencidos e que tudo farão para merecer os aplausos dos adeptos, nos bons e nos maus momentos.
P.S. Em semana de novo ato eleitoral, optei por não discorrer demasiado sobre o tema porque as duas propostas que vão a votos me deixam com mais dúvidas do que certezas. Acho que importa celebrar as condições em que este ato eleitoral se irá realizar, e o que isso significará para a legitimidade do próximo presidente. Espero por isso que a eleição seja pelo menos tão concorrida como a anterior. Que os sócios demonstrem mais uma vez a vitalidade do clube. Por último, acho que devo dizer isto enquanto alguém cujas opiniões não têm convergido sempre com as da última direção. Espero sinceramente que todos nos consigamos unir em torno da solução escolhida pela maioria, por mais imperfeita que nos possa parecer, e trabalhar com ela. Espero também que a participação associativa encontre na nova direção uma capacidade de acolher os seus contributos, até mesmo a divergência, quando esta se verificar. O Benfica precisa de todos.