Os russos e os Jogos Olímpicos
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Opinião Os russos e os Jogos Olímpicos

OPINIÃO30.09.202313:42

Paris-2024 ainda pode demonstrar que o desporto continua a ser um género de ilha do paraíso que estimula ao diálogo dos diferentes

Há uma inversão na política internacional sobre o direito de atletas russos e bielorrussos participarem em competições oficiais, incluindo os Jogos Olímpicos e Paralímpicos, em Paris 2024. Três propostas foram colocadas à discussão: suspensão total de participação de atletas russos e bielorrussos; abertura à participação desses atletas, desde que aceitassem o estatuto de neutralidade e não tivessem tomado partido favorável à posição russa na guerra com a Ucrânia; abertura total à presença das delegações russas e bielorrussas. O Comité Olímpico Internacional optou pela proposta intermédia e essa decisão foi agora também seguida pelo Comité Paralímpico. 

Faltava, entretanto, saber como reagiria Putin a uma participação de atletas russos num estatuto de neutralidade. Conhecendo-se a filosofia de política de Estado que a Rússia sempre conferiu ao desporto de alta competição e à forma como sempre estabeleceu, no desporto de elite, uma relação direta com o poder político, duvidava-se de qualquer sinal de tolerância do regime russo, para mais, num momento ainda muito sensível da guerra na Ucrânia. 

Como seria de esperar, a decisão não seria anunciada no Kremlin, mas o presidente do Comité Olímpico russo, Stanislav Pozdniackov, foi autorizado a confirmar a participação dos atletas do seu país nos Jogos Olímpicos de Paris, aceitando as restrições impostas. Trata-se, pois, de uma decisão que não deverá ser vista, unicamente, à luz de uma eventual autonomia do desporto em relação à política, algo que, como se sabe, a Rússia nunca defendeu e muito menos professou. 

Dirão alguns comentadores políticos que é um sinal de fraqueza do Estado russo, que aceita entrar numa manifestação global como os Jogos Olímpicos sem a sua bandeira e sem o seu Hino. Porém há quem veja na decisão russa o aproveitamento de uma janela de inclusão. Daí que Pozdniackov tenha vindo dizer que o «o desporto deve ser separado da política», quando a Rússia nunca separou nada, muito menos o desporto, da política e da sua visão imperial. 

A Rússia aceitou com manifesto entusiasmo o regresso dos seus atletas às grandes competições. Em primeiro lugar, porque o povo russo tem das suas glórias olímpicas e dos seus ícones desportivos uma reverência patriótica e causaria séria perturbação popular a ausência total nos Jogos. Depois, porque tudo o que possa trazer sinais de inclusão da Rússia à aproximação a uma normalidade, mesmo que condicionada, é um passo em frente nas relações internacionais e um afastamento do seu isolacionismo a ocidente. 

O facto de, na perspetiva russa, a decisão tomada no COI ter sido considerada como positiva e de interesse para o regime do Kremlin levou a que do lado ocidental se tivesse levantado, sobretudo na área política, uma onda de críticas, que alinharam com o desconforto e desagrado manifestados pelos ucranianos. De novo se levantaram interrogações sobre se o movimento desportivo e a filosofia ecuménica dos Jogos Olímpicos ainda fazem sentido num mundo desumanizado e em permanente conflito. Podem e devem o desporto e os Jogos Olímpicos alhear-se da realidade mundial e viver num género de ilha virtual do paraíso? A esta pergunta simples, parece haver, não tanto um consenso, mas uma maioria de mulheres e homens do desporto que continuam a defendê-lo no seu inalienável direito à diferença, considerando que no dia em que o desporto se tornar refém do realismo de estado e dos interesses particulares das nações deixará de ser o exemplo universal de diálogo que, felizmente, ainda é.

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