O ‘trio’ resiste

OPINIÃO04.01.202205:30

Luisão voltou a parecer mais um segurança de discoteca que ali foi colocado para impor o seu arcaboiço quando algum cliente desatina

R UI Costa foi eleito presidente do Benfica, com quase 85 por cento de votos, na assembleia mais concorrida da história do clube, ainda não fez três meses, mas, somando aquilo que exigem dele ao volume de críticas que lhe têm dirigido sobre o que devia ter feito e não fez, parece que passaram quase três anos. No seu primeiro discurso, reconheceu que teria de preparar-se para o  jogo mais difícil da sua vida e não se enganou.
Há uma semana, neste mesmo espaço, sugeri uma saída para o problema chamado Jorge Jesus, tendo utilizado como comparação o que aconteceu no tempo do húngaro Pal Csernai, em que, apesar de ter faltado pouco para haver mosquitos por cordas nos treinos, Fernando Martins, em respeito pela tradição do clube, se recusou despedi-lo. Pareceu-me que, na situação presente, o Benfica poderia cumprir o contrato com Jesus e exigir deste idêntico compromisso, na certeza de cada qual seguir o seu caminho no final da época. Seria essa, aliás, a vontade de Rui Costa, segundo declarou o advogado do treinador despedido ao canal CNN, mas a administração da SAD terá tido outro entendimento.
O que entretanto aconteceu em nada me faz alterar a linha de pensamento, a não ser a necessidade de medidas que já deviam ter sido tomadas há muito tempo. Por motivos que naturalmente não alcanço quem tinha poder de decisão foi assobiando para o lado e as coisas chegaram a este estado lamentável para a imagem do emblema.

A ingenuidade de Rui Costa terá sido a de acreditar que conseguiria completar a temporada com o mínimo de turbulência no voo da águia e, no recato possível, preparar o que tem em mente para o futuro do Benfica.
O que se registou a seguir à primeira derrota no Dragão só atingiu proporções gigantescas porque houve quem, de dentro, colocou na rua o que deveria ter sido mantido como segredo de balneário, além de ter havido pressa na divulgação de conversas feias entre treinador e jogadores, em ambiente restrito, onde só cabe gente devidamente autorizada.
O mal está feito e, pelo que li, continuo sem entender, por exemplo, qual a verdadeira função de Luisão. No caso em concreto creio que voltou a exceder-se, mais parecendo um segurança de discoteca que ali foi colocado para impor o seu arcaboiço quando algum cliente desatina. Por outro lado, creio que também Jesus derrapou ao reagir como reagiu, fiado em cenas que não viu e em palavras que não ouviu, quando aconselhava o bom senso que tomasse nota das queixas que lhe fizeram e falasse com quem estava acima dele na hierarquia antes  de armar aquela barafunda toda.

D ESPEDIR treinadores está a tornar-se uma moda no Benfica. Rui Vitória viu-se abençoado por uma luz mas sucumbiu sob o efeito de um jogo amaldiçoado em Portimão, em que sofreu dois autogolos.
Bruno Lage foi recebido como uma nova esperança. Ganhou o  Campeonato e  manteve-se na  liderança técnica na  época seguinte.  Jogou em Alvalade, venceu por dois-zero e chegou ao fim da primeira volta com sete pontos de avanço sobre o FC Porto, mas inexplicáveis acontecimentos fizeram que acabasse a prova com cinco de atraso, não sem antes, também estranhamente e também a seguir a um jogo em Portimão, que terminou empatado, André Almeida, na qualidade de capitão, ter afirmado que os jogadores fizeram o que lhes foi pedido, sendo certo que o treinador não lhes terá pedido para jogarem mal, que era o que eles andavam a fazer há semanas.
O resto da história é do domínio público. Na sequência de uma derrota na Madeira, Bruno Lage foi para o olho da rua e só se deu conta disso no  aeroporto do Funchal pelas notícias das televisões.

N O verão de2020, foi anunciado o regresso de Jorge Jesus, há muito a ser preparado por Luís Filipe Vieira. Na cerimónia de apresentação prometeu o que se sabe, com a soberba do costume, e os adeptos esperaram para ver.
Não tiveram de esperar muito, porém. Falhou a entrada na Liga dos Campeões diante de um modesto PAOK, na altura treinado por Abel Ferreira, e o resto da época ficou abalado, desportiva e financeiramente. Na altura, após este fracasso, Jesus operou uma revolução na equipa e foi golear e jogar bem em Famalicão, revolução essa que sentou Pizzi no banco, avisou o eterno prometedor Rafa para se esforçar mais e alertou André Almeida, um enigma sem fim à vista, para a existência de gente nova que queria aparecer.
Acabou-se o ‘trio’, foi este o título da minha crónica semanal, em 22 de setembro de 2020. «O Benfica tem de deixar de ser uma equipa de barriga cheia que cozinhou em lume brando o franguinho Bruno Lage. Se o problema está na atitude, na entrega e no sacrifício, Jesus, que já é um galo que precisa de muita cozedura para ser trincado, vai ser implacável com quem se habituou a programar o esforço para 60 minutos, quando um jogo demora 90», escrevi. Dois anos mais tarde,  verifico que estava enganado.
O trio resiste e cada vez mais influente, não por esboçar apenas, como admiti então, mas por formar «um subgrupo dentro do grupo que é a equipa, que se quer forte, disciplinada e obediente ao treinador».
Pelo menos trouxe à discussão um tema sério que existia, evoluiu e, dadas as proporções que assumiu, desta não deve passar sem uma resposta adequada. Há limites que não podem ser ultrapassados. Chegou a hora de Rui Costa.