O Eusébio e o Sérgio

OPINIÃO16.08.202306:35

Sendo lamentável o que Sérgio Conceição fez (uma vez mais), recordam-se coisas que Eusébio também fez (e não fez mais...)

CONTINUANDO a ouvir (em fogaréu...) comentários, remoques e coisas piores a propósito do despropósito de Sérgio Conceição expulso do banco na Supertaça, lembrei-me de Eusébio...
Andava-se por 1967 e esse era o tempo em que atração por Lisboa era o Taunus 17 M do Eusébio, o Taunus amarelo a que sinaleiros abriam passagem como se fosse estrela a cruzar os céus, resplandecente - e, claro, a estrela era o Eusébio (que ainda em maior fulgor viera do Mundial de Inglaterra). E tempo em que a PUMA fizera botas novas em sua homenagem dando-lhe nome em perfeito simbolismo: King - e, para ele, em exclusivo, criou as primeiras chuteiras com nove pitons (o normal eram 10) para que se adaptassem melhor ao seu corpo massacrado (após a terceira operação ao joelho): 

– Foram as botas que marcaram a minha carreira, incrível como me facilitavam o equilíbrio em campo.

Contudo, no Eusébio não se esfriava o pavor de que o seu joelho (esse joelho que haveria de virar até tema de canção pop e que até pusera Salazar a soltar de si o murmúrio:

– Importante não é o meu pé magoado, é o joelho magoado do Eusébio…)

se transformasse no seu calcanhar de Aquiles. E conhecendo-se-lhe, o espírito (e o coração...) talvez não se cogitasse que sucedesse o que sucedeu em Matosinhos, contra o Leixões: Gentil atacou-lhe a perna esquerda a pés juntos, a ideia com que Eusébio ficou foi que tal o poderia ter despachado (outra vez) para o estaleiro. Antes de entrar no autocarro, apercebendo-se de Gentil ao fundo, acercou-se dele e, sem  palavra, espetou-lhe um soco. Gentil, comprometido, nem pestanejou - e de José Águas, o treinador leixonense, apanhou-se simplesmente o sussurro:

– Tem calma, Eusébio!

Furibundo já se vira Eusébio numa outra tarde (e por outra razão...) - contra o Belenenses. A Manuel Rodrigues dera-lhe para entrar em jogo de picardia com frase que foi largando, provocatória, repetida:

– Vai mas é para a tua terra…

insinuando-se que Rodrigues ainda lhe juntara o toque racista que se imagina. Agastado pelo vitupério (que até ouvira atingir Vicente, também, Eusébio vingou-se com a pólvora do seu génio: tendo o árbitro assinalado livre a seu favor, mirando Rodrigues na barreira, não apontou à baliza, apontou à cabeça dele. A bola saiu-lhe em bomba do pé - e, acertando-lhe, Rodrigues caiu, inanimado. Tiveram de o levar ao hospital - e, sabendo-o, Eusébio haveria de correu para lá a pedir-lhe desculpa pela «pastilha que lhe mandara».

Chegando-se a 30 de abril de 1967, se o Benfica batesse (na penúltima jornada) o Belenenses na Luz, tornava-se virtual vencedor do campeonato. Eusébio fez 1-0 (de penálti) aos 44 minutos, José Augusto fechou o placard em 2-0 aos 73 - e, a edição seguinte da revista Flama, em reportagem de Jorge Schnitzer, fez manchete com título assim:

O pior chuto da vida de Eusébio.

Pior chuto porque, quando Braga Barros deu por finda a partida, Artur Glória, taberneiro do Casal Ventoso (que era treinador de boxe), saltou a vedação e, por entre o frenesim em fogacho, se precipitou em direção a Eusébio. Sem saber se «era para o abraçar ou se para o agredir», Eusébio defendeu-se «puxando a perna direita ao ar» - e a perna direita no ar enfeixou-se no peito de Glória que a Schnitzer revelaria:

– Tive medo que o Eusébio me tivesse inutilizado para toda a vida, sim. O que não percebo é como andam por aí a dizer que já lhe pedi desculpa. Eusébio é que ma pediu. Eu só queria felicitá-lo e fez-me aquilo! Olhe, a sorte dele foi eu ter desmaiado - porque, senão, tinha-o desfeito, estava cego, não sabia se o tinha feito por mal ou não...»

Ah! Perguntar-me-ão (e bem): o que é que isso do Eusébio tem a ver com o Sérgio Conceição? E eu respondo: sendo lamentável (sem nenhuma dúvida!) o mau comportamento de Sérgio Conceição em Aveiro - parece-me que os clamores (e os escarcéus...) de certos e determinados justiceiros, exigindo-lhe «castigo exemplar» o são simplesmente por o alvo ser o Sérgio Conceição. E o Sérgio Conceição ser o treinador do FC Porto - sendo, igualmente, cada vez mais fácil expulsá-lo...

PS: Por tudo o que Eusébio fez (fugindo do que era) nenhum castigo teve. Nem sequer se viu posto no pelourinho - como Sérgio Conceição. Porque o futebol era mesmo assim - e ainda é mesmo assim mas dependendo de quem é  ou das marcas que tem. Porém, não posso deixar de dizê-lo: apesar de tudo, apesar de ler, reler e tresler sentenças mediáticas em brados assim (ou parecidas): «Dois meses sem Sérgio se houver justiça» (dois meses de suspensão por ter mandado o árbitro pró car...!) - é hora de Sérgio Conceição se livrar desse porte rufia  que já só é lenha que dá aos seus adversários (ou pior) para o queimarem nos seus pelourinhos (e só prejudica o notável treinador que ele é). Foi o que Eusébio fez, tão bem...