Português evitou duas vezes a implosão do Botafogo, a primeira na visita ao Palmeiras, que pode valer o primeiro título em 29 anos, e na final da Libertadores, ao ficar reduzido a 10 jogadores
Artur Jorge está a pequeno passo de assinar uma época de sonho no Botafogo. Já o seria só com a brilhante conquista da Libertadores, mais ainda se a fechar com a retumbante vitória no Brasileirão. Basta-lhe um ponto apenas na derradeira jornada para matar mais um borrego, este de 29 longos anos.
As probabilidades apresentam-se finalmente a seu favor, sobretudo desde a rotura aparentemente definitiva com um passado ainda fresco de uma desilusão monumental. Do ponto de vista daqueles que carregam a Estrela Solitária, terá mesmo valido a pena sofrer tanto.
Jovem treinador do Sporting saiu pior da conferência de Imprensa de quarta-feira do que estava quando nesta entrou. Há sinais de alerta a chegar de Alvalade e só as vitórias os podem maquilhar
O português arriscou forte quando deixou um SC Braga ainda incapaz de poder ou querer dar a qualquer técnico um plantel de campeão nacional, algo que o norte-americano John Textor ainda conseguiu no Brasil com o Botafogo, ao contrário da Europa, onde está a ser altamente criticado. Artur Jorge, reconheça-se então, teve ao seu dispor o melhor plantel do país.
Artur Jorge terá sido mais gestor, psicólogo e estratega do que verdadeiramente treinador numa temporada tremendamente exigente e feita à dimensão de um continente, tal a dimensão do país.
Sabe-se, no entanto, que no futebol tal nunca é suficiente, mais ainda numa equipa com o trauma ainda entranhado nas bancadas do Nilton Santos e que começou a ganhar forma desde a saída de Luís Castro para a Arábia Saudita, atropelando posteriormente Bruno Lage, Lúcio Flávio e Tiago Nunes. Com a saída do agora de novo treinador do Benfica, alguns jogadores, «habituados a comer simplesmente feijão com arroz» ainda vieram a público elogiar a simplificação do jogo da equipa, porém nem isso os ajudou, já que seriam, pouco depois, ultrapassados por um Palmeiras liderado finalmente pelo miúdo Endrick.
O que dizer da espiral positiva nos encarnados e da negativa para os dragões, depois de duas exibições longe da perfeição, porém com resultados bem diferentes?
O conjunto de Abel Ferreira manteve o registo mais europeu, assente na organização e coesão das principais unidades, e nos rasgos individuais ainda e sempre de Raphael Veiga. Contudo, não foi capaz de subscrever as atualizações necessárias ao modelo no mercado, que se revelou novamente pouco produtivo, depois de uma ou outra incursão no passado. A chama surgiu, mais uma vez, da sua extraordinária formação, através de Estêvão Willian. Não era preciso prová-lo, porém foi precisamente o extremo de 17 anos, ao 90.º minuto da partida de Belo Horizonte, a converter um tremendo livre direto que evitou desde logo os festejos no Rio de Janeiro (e em Porto Alegre, onde o rival jogava a essa hora).
Se recuarmos alguns meses, reconhecemos que as vitórias sempre surgiram de forma mais natural para os do Rio do que para os paulistas, que mostravam resiliência, mas pouca criatividade na hora da assaltar as balizas contrárias, até que novo ciclo negativo promoveu a ultrapassagem do Palmeiras, que ficou líder antes de receber o principal oponente ao tri.
Jovem treinador não tinha nada a ganhar ao assumir tão cedo e, com a herança deixada por Ruben Amorim, o banco do Sporting. Tanto que ao primeiro desaire já está criada a dúvida...
A julgar pelo ano anterior, mesmo com um outro 11 e um técnico esfomeado pelo primeiro título de campeão, poucos esperariam algo que não fosse nova machadada nas ambições alvinegras a três jornadas do fim. Se até ao primeiro golo, de Gregore, o Verdão ainda deu mostras de poder concretizar a ameaça, depois desse canto estudado só praticamente deu Botafogo. Artur Jorge conseguiu, nesse momento, inverter a quebra, acabar com maldições e maus-olhados. Teve contornos de milagre e fê-lo a apenas quatro dias da final da Libertadores. O triunfo no Allianz, com uma exibição controladora e inequívoca, sem qualquer mácula, serviu como âncora para o que faltava. Tornou-se o pai da festa em Buenos Aires, onde mais uma vez se excederam expetativas, sobretudo depois da expulsão do ex-herói Gregore aos 2 minutos.
No Botafogo, já não será preciso sair de madrugada para encontrar Vénus, a estrela solitária dos remadores. É muito provável que nos próximos tempos se veja mesmo por todo o lado e a qualquer hora do dia.
O que parecia muito difícil para qualquer outra equipa – ainda mais pelo cansaço de ter jogado partida decisiva escassos dias antes – voltou a assumir-se como narrativa épica com um primeiro golo aos 35 minutos, o segundo em cima do intervalo e o 3-1 final. Carimbava-se assim a primeira Libertadores da história do Botafogo e da carreira de Artur Jorge, que terá sido mais gestor, psicólogo e estratega do que verdadeiramente treinador numa temporada tremendamente exigente e feita à dimensão de um continente, tal a dimensão do país.
Técnico português chegou a Inglaterra e, com naturalidade, terá, para já, convencido toda a gente. Hoje, arranca o que, sobretudo em Manchester, se acredita ser a epopeia da pessoa certa no momento certo.
O Palmeiras ainda pode conquistar o troféu, porém, depois dos últimos encontros, já pouco tem a seu favor. Apenas a fé. Seja Artur Jorge ou Abel Ferreira, o título será novamente conquistado por um treinador português. E se somarmos o Brasileirão à Libertadores, dos últimos 12 troféus apenas três escaparam a mãos lusas: o campeonato de 2021, ganho pelo Atl. Mineiro de Cuca, e duas edições da principal prova da CONMEBOL garantidas em 2022 e 23, respetivamente pelo Flamengo de Dorival e pelo Fluminense de Fernando Diniz. É obra!
Jorge Jesus, com três canecos à sua conta, falhou rotundamente a profecia. Não é assim tão difícil que um técnico português seja bem-sucedido no Brasil e a representar o mesmo Brasil nas provas continentais. Não se trata de especulação, são os próprios factos que o sublinham. Não só pela língua, mas ainda pela adaptabilidade a cenários menos ortodoxos e pela facilidade no encontrar de soluções, este tem tudo para continuar a ser bem-sucedido para lá do Atlântico. Será sempre necessário, porém, apostar no cavalo certo e ajustar a uma realidade em que se passa mais tempo a viajar do que em casa ou a treinar.
Sueco pode ser em janeiro o 'danoninho viking' para um tubarão candidato ao título, embora um de luxo, a custar 100 milhões de euros, ou uma jogada de antecipação no mercado
Temo que depois de várias ameaças, seja desta que Abel encontre o fim da estrada em São Paulo. O desgaste tem de ser brutal – não veremos mais do que uma parte –, sobretudo depois de nos últimos dois anos não se ter reconhecido grande evolução na equipa, fruto de fracassos inesperados no mercado, renovação insuficiente e perda de qualidade. Vejo a paragem como boa opção para Abel recuperar energias, mesmo que isso o afaste do clube que o considera (com justiça) o melhor treinador da sua história. Enfim, ganhou importância tal que a decisão será sempre sua e respeitável.
No que diz respeito ao Botafogo, e depois de o Bayer Leverkusen ter finalmente colocado de lado a alcunha de Noiva Eterna, já não será preciso sair de madrugada para encontrar Vénus, a estrela solitária dos remadores. É muito provável que nos próximos tempos se veja mesmo por todo o lado e a qualquer hora do dia.