Num Europeu não há derrotas grátis
António Silva frente à Geórgia

Num Europeu não há derrotas grátis

OPINIÃO29.06.202413:40

Ainda não é possível avaliar bem os danos do desastre georgiano, mas sabe-se que são pesados no aspeto reputacional e no impacto psicológico

Havia o famigerado plano B, que admitia mudar o sistema do avesso e a própria equipa. Dizia, a propósito, o insuspeito José Mourinho, que a nossa Seleção podia jogar com a segunda equipa e continuaria a ser candidata ao título Europeu. Os factos levam-nos legitimamente a duvidar de tão otimista previsão. O jogo com a pouco notabilizada Geórgia despejou uma montanha de gelo sobre as cabeças portuguesas e mostrou ao mundo o outro lado escuro da nossa lua. Afinal, o plano B tornou-se num plano H... de HORRÍVEL. Tão disforme do que tem sido o corpo e alma da Seleção Nacional, que se tornou irreconhecível. Na equipa, que se mostrou taticamente confrangedora e competitivamente inútil e nos jogadores, que pareciam um género de sósias mal desenhados de quem nos lembravam que eram.

A questão mais interessante em análise será a de tentar perceber se a equipa foi o que foi por causa da má interpretação dos jogadores e da total ausência de compreensão do jogo e do adversário, ou se foi o que foi, porque o regresso à ideia dos três centrais acabou por colocar a todos eles um quebra cabeças sem solução. Haverá, ainda, a considerar um género de deriva destas hipóteses. Mais dura, mais tormentosa, reconheço. Passa pelo argumento de que a escolha de Roberto Martínez, com base em jogadores desconfortáveis e talvez, até, irritados por terem estado a ver o Europeu sentados no banco, não tenha sido suficiente para recuperar ânimos, vontades e fome de bola suficientes para, pelo menos, não se deixarem atropelar por um adversário que comia a bola e a relva e ainda ficava com apetite suficiente para devorar a salada de erros da equipa nacional.

É verdade que devemos levar em consideração as circunstâncias. Portugal estava apurado antes de jogar, não desceria do pedestal do primeiro lugar e o jogo não provocava, em si mesmo, uma razoável carga de adrenalina ou de ambição. Porém, num Campeonato da Europa, nunca há derrotas grátis e ainda não é possível avaliar bem os danos do desastre georgiano. Sabe-se, isso sim, que são pesados do ponto de vista reputacional, para aquela que estava a ser seriamente considerada como uma candidata à vitória no torneio e no impacto psicológico.

Não é preciso ser psicólogo para perceber que, terminado o jogo da nossa deceção, existem jogadores em crise de identidade. O caso mais flagrante é o de António Silva, que foi responsável por erros fatais e pouco justificáveis. Surgiu, rápida e forte, a onda de solidariedade de selecionador, companheiros e benfiquistas gratos. É compreensível, mas não diminui o facto: os erros foram graves e um atleta profissional tem de saber viver e aprender com isso. Mas António Silva não terá sido o único a sentir o peso das culpas. João Félix, de quem se esperavam provas de que Roberto Martínez tinha feito mal em deixá-lo de fora, apenas deu mais razão aos seus críticos e àqueles que continuam a dizer que Félix é um grande jogador sempre adiado e que, para ser especial, precisa de ter outra cultura competitiva, a mesma que Diego Simeone exigiu até se fartar de esperar. Por fim, não são disfarçáveis os sinais de desconforto do próprio selecionador. Escolheu um onze alternativo, que nunca soube ser uma equipa e escolheu o regresso a um sistema já tentado, mas que se revelou um fiasco, talvez, definitivo.

Portugal precisa, pois, de que a próxima segunda-feira chegue rapidamente e que a Seleção do plano A reapareça em grande, do ponto de vista do resultado e da exibição. Será, essa, a única maneira de afastar os fantasmas que entraram na Seleção sem pedir licença e deixaram os portugueses seriamente angustiados.

Dentro da área

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Fora da área

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