Não é como começa
Tenho muitas dúvidas que a saída de um jogador como Di María, a não ser que aconteça por lesão ou desgaste, seja uma boa ideia
NÃO é como começa, é como acaba. Usamos esta expressão no início de longas jornadas, com um de dois objetivos. Dizemo-lo aos outros e a nós mesmos para refrear o otimismo quando as coisas correm tão bem que desatamos a tirar conclusões, ou para relativizar o insucesso quando as coisas correm tão mal que desatamos a tirar conclusões. Feitas as contas à primeira semana da época, conclui-se que ainda não estamos em fase de conclusões definitivas. A única certeza é mesmo a de tudo isto acaba de começar e promete ser longo.
Comecemos pelo início desta semana emocionante. Um Benfica em construção jogou frente a um FC Porto também em construção e daí resultou o primeiro troféu da época, mas, mais do que isso, vi talvez os minutos mais interessantes de um jogo do Benfica frente a um dos seus rivais desde que Roger Schmidt é treinador do Benfica. Não deixa de ser curioso que isso aconteça numa fase em que persistem algumas indefinições quanto ao modelo de jogo e ao onze.
Depois de uma primeira meia hora em que os adeptos já refletiam sobre medo cénico e o Estádio de Aveiro parecia ter uma equipa a jogar em casa, o Benfica foi ganhando metros e entrou na segunda parte com os huevos no sítio e nenhum do medo historicamente formado. É espantoso como alguns jogadores mandam às malvas a mitologia e se tornam eles próprios a história que interessa. Ángel Di María é um desses raros casos, como atesta o seu historial de finalizador em jogos a doer. Mas este jogo não aconteceu por mero acaso.
Depois de um onze inicial que deixou o Benfica à mercê do adversário, Roger Schmidt corrigiu onde tinha de corrigir. Em vez de um João Mário apático e um Ristic que tarda em afirmar-se, um Musa para permitir à equipa voltar a jogar com ponta de lança e um lateral com maior profundidade e capacidade de ajudar Aursnes. E assim se deu um amasso ao nosso principal rival. Em vez do medo cénico, um apagão como não me lembro de ver muitas vezes num adversário que esperneou e tentou das suas, mas foi vergado pela realidade. Devia ser sempre assim.
Esta capacidade de emendar a mão em Aveiro foi determinante para o resultado final e para a qualidade do domínio durante toda a segunda parte, quase sempre sem tirar o pé do acelerador ou cair nas ratoeiras habitualmente plantadas por este adversário. Mas devo ser sincero. Não estava preparado para um final tão apoteótico. Digo isto com ironia, já que o embaraço causado por Sérgio Conceição no final da partida é um daqueles episódios que me faz pensar que perco demasiado tempo com esta modalidade. Mas, ultrapassado esse desencanto, consegui apreciar a beleza poética daquele momento. Um treinador justamente derrotado, tanto no resultado final como na tática prescrita, conhecido mundialmente pelo seu mau perder, diz ao árbitro que se recusa sair do relvado depois de o ter insultado, como se diz na gíria, de alto a baixo.
Sérgio Conceição comporta-se como se a sua expulsão fosse uma injustiça para com o futebol e não apenas a mais proverbial constatação da sua falta de etiqueta. Podia aproveitar este momento para vos falar dos meus anseios de um futebol português em que todos são cordatos e a cultura desportiva sai de todos os poros dos protagonistas, mas todos sabemos que isso não vai acontecer. Assim sendo, só posso desejar o segundo melhor cenário, que envolve um futebol português pior, pelo menos para alguns: que o Futebol Clube do Porto continue a ser derrotado, tantas vezes quantas forem necessárias para que Sérgio Conceição se afaste do futebol português ou aceite que as suas maneiras não são adequadas. Conto com o meu Benfica para fazer a sua parte, sabendo que as nossas vitórias frente a Sérgio Conceição doem-lhe mais do que quaisquer outras.
Mas, neste caso, infelizmente não é como começa, é mesmo como acaba — o que também se aplica às semanas. Depois de uma vitória que muito nos alegrou, uma entrada com o pé esquerdo no campeonato, a mostrar que, não obstante o ânimo da semana passada, esta é mesmo, ainda, uma equipa claramente em construção. Não invalida que fez o suficiente para marcar mais golos do que o Boavista, mas surpreendeu-me de forma menos positiva a capacidade demonstrada pela equipa para gerir certos momentos do jogo, mesmo sabendo que a inferioridade numérica obrigaria a uma ginástica adicional.
E, devo ser sincero, não gostei de ver Ángel Di María ser substituído naquela fase do jogo. Tenho muitas dúvidas que a saída de um jogador como Di María, a não ser que aconteça por lesão ou manifesto desgaste, seja uma boa ideia, não apenas no Estádio do Bessa mas na vida em geral. Acho que o Ángel concorda comigo. Posto isto, há mais para esclarecer neste Benfica, começando pela baliza onde Ody pareceu despedir-se da titularidade da mais dolorosa forma possível, o meio-campo ainda não evidencia o plano de jogo claro e credível da época passada, e a referência ofensiva ainda não o é. Mas voltamos ao início. Não é como começa, é como acaba. E todos os protagonistas já demonstraram ser capazes de fazer mais e melhor. É tempo de acontecer.