Mustang e A Bola de Ouro
Ricardo Quaresma no FC Porto em 2014 (Paulo Esteves/ASF)

Mustang e A Bola de Ouro

OPINIÃO27.11.202315:23

«Meio anjo, meio diabo», a opinião de Rogério Azevedo

O grande Ricardo Quaresma, em declarações ao meu camarada Paulo Pinto, disse algo que não me parece desadequado da realidade: «Se fizesse no Barcelona o que fiz no FC Porto, podia ter ganho a Bola de Ouro». E podia. O mustang de 2004 a 2008 e o de 2014 a 2015 era tremendo. Driblava, assistia, marcava, encantava. Tecnicamente, tenho de puxar muito bem pela memória para me recordar de outro português assim. Só talvez mesmo o enorme Fernando Chalana entre 1976 e 1984. O pequeno genial, nesses oito anos mágicos, viu A Bola de Ouro ser ganha por craques como Allan Simonsen, Kevin Keegan, Karl-Heinz Rummenigge ou Michel Platini. Quaresma, no período áureo no FC Porto, lidou com Ronaldinho, Kaká e depois com a quase infinita dicotomia Ronaldo-Messi. Não que atribua grande peso às Bolas de Ouro deste e daquele (Cannavaro tem a de 2006), antes para percebermos com que Chalana e Quaresma tiveram de lidar.

Há pouco mais de 20 anos, se se dissesse que Ricardo Quaresma ou Cristiano Ronaldo seria Bola de Ouro, quase todos apostaríamos no mustang. RQ era um encantador de serpentes, o homem que fazia tudo o que queria com a bola nos pés. CR também encantava, mas mais pela exuberância e velocidade. Porém, em 2004, Ronaldo jogava no Manchester United e Quaresma regressava a Portugal pela porta do FC Porto, depois de uma não muito bem sucedida aventura pela Catalunha. O contrário do que, dois anos antes, se acreditava ser o mais previsível: Ronaldo a subir e Quaresma (em teoria) a descer. Não seria exatamente assim. CR continuou a subir até quase tocar na Lua, RQ tornar-se-ia figura preponderante no FC Porto de Co Adriaanse e Jesualdo Ferreira.

Há mais casos assim. Há um ano, João Neves andava encoberto pela sombra de dois ou três jovens e agora, quando começa a aproximar-se dos 20 anos, deu salto superlativo de qualidade e tornou-se imprescindível no Benfica de Roger Schmidt. Ao contrário, por exemplo, de Florentino Luís, sempre tão exaltado por uma camada de fiéis, mas que demora demasiado tempo a dar o salto para o nível onde João Neves já está. O mesmo se passa com Henrique Araújo e Gonçalo Ramos. Ou Eduardo Quaresma e Gonçalo Inácio. Ou Ferro e Rúben Dias. Ou Romário Baró e Vitinha.

Algo se passa quando se aproximam/ultrapasssam os 20 anos e que faz com que uns jogadores dêem o salto para patamares antes pouco imagináveis e outros continuem quase sempre ao mesmo nível ou até desçam um ou dois degraus. Parece-me que será qualquer coisa mental. João Neves, a este nível, parece um colosso. Tal como Ronaldo quando comparado com Quaresma. O mustang, meus caros, caso tenham menos de 20 anos e possuam fracas memórias de ver o seu virtuosismo, era quase inigualável e podia, sim senhor, ter chegado à Bola de Ouro. Não chegou, como se sabe, mas deixou momentos ao nível dos melhores dos melhores do mundo.