‘Messilionários’ e livres

OPINIÃO21.12.202205:30

As leis do desporto, sobretudo do futebol, seriam inaceitáveis noutra área laboral

KYLIAN MBAPPÉ ganha €130 milhões por ano e recebeu um prémio de €150 M para continuar como jogador do PSG. Messi ganha €123 M por ano. Cristiano Ronaldo, vá para onde vá, presume-se que não ficará longe dos seus atuais €102 M e caso aceite os €500 M da Arábia Saudita, por dois anos e meio de contrato, será incomparável.

Apesar deste cenário nem todos ganham. Os clubes, apesar de alguns negócios estratosféricos, perdem igualmente muito dinheiro quando um jogador chega ao fim do seu contrato e decide não renovar. Tudo porque um quase desconhecido jogador de futebol belga, Jean-Marc Bosman, desafiou os poderes do desporto e ganhou para si, e para todos os pares, uma liberdade nunca tida. Ganhou-a há 27 anos no Tribunal de Justiça da União Europeia.

Ainda hoje, as leis do desporto, sobretudo as do futebol, seriam inaceitáveis em qualquer outra área laboral. Nenhum trabalhador aceitaria que para sair de uma empresa essa teria de ser ressarcida pela sua nova entidade patronal. Como sabemos não há mercado de transferências na advocacia, na medicina, no jornalismo. Bem, até há, mas para benefício do trabalhador que, num cenário normal, terá vantagens financeiras com a mudança. No futebol, antes de 1995, os jogadores em fim de contrato ficavam prisioneiros da vontade do clube, mas lei Bosman transformou ex-reclusos em milionários.

Em 1990, Jean-Marc Bosman jogava no RFC Liège e o seu contrato expirava no final da época desportiva. O clube queria vendê-lo, mas nenhum outro queria pagar o que pediam. Surgiu uma equipa disposta a contratá-lo sem custos de transferência, mas a sua ainda entidade patronal não permitiu a sua saída. Desempregado, Bosman processou o clube belga e a UEFA. Cinco anos depois o Tribunal de Justiça da União Europeia deu razão ao jogador, confirmando que as regras violavam várias normas do Tratado da União Europeia, como a livre circulação de trabalhadores (art.º 45); o art.º 20, cidadania da UE, e o próprio art.º 3 onde a UE «garante aos cidadãos (…) liberdade, segurança e justiça».

Apesar de os jogadores ainda viverem com normas de trabalho bem piores que as que se aplicam a todos nós, esta decisão deu aos profissionais de futebol a liberdade de decidir sobre o seu futuro. Nada de menos, convenhamos. Se recordarmos, entre outros, Robert Lewandowski, em 2014, saiu a custo zero do Borussia Dortmund para o Bayern Munique. Dois anos depois Zlatan Ibrahimovic, mudou-se do PSG para o Manchester United.

À data Cristiano Ronaldo é um jogador livre e Messi, Benzema, Dalot, Jorginho, Kroos, e Raphael Guerreiro terminam contrato em junho de 2023. E podem, a partir de janeiro, negociar e assinar contrato com outro clube, fazendo pré-acordos e receber, à cabeça, um chorudo prémio de assinatura. Isto porque a sua liberdade individual prevalece. Por isso, passem os anos que passarem, a coragem ou o desespero de Bosman, um David que venceu o Golias UEFA, mudou o futebol, e o direito ao golo será sempre dele.

*O autor escreve quinzenalmente