Qual o papel da Associação Nacional de Treinadores de futebol?
'Mercado de valores' é o espaço de opinião semanal de Diogo Luís
Esta semana a Associação Nacional de Treinadores de Futebol (ANTF) teve uma enorme oportunidade de demonstrar a sua mais-valia em dois casos distintos, mas acabou por fragilizar a sua posição.
ANTF vs João Pereira
O presidente da ANTF veio esta semana referir que vai apresentar uma queixa pelo facto de João Pereira não ter as habilitações necessárias para ser treinador no primeiro escalão. Esta tomada de posição é, no mínimo, estranha. Faz algum sentido ser a associação da classe dos treinadores, da qual faz parte João Pereira, aquela que vai apresentar queixa sobre um dos seus associados ou um dos da sua classe? Não faria mais sentido tentar proteger o jovem treinador e enquadrar a ausência de habilitações no contexto que se vive em Portugal?
Se me perguntarem para que é que serve uma associação de uma classe profissional, eu diria que existe para apoiar aqueles que representa. Ora, sabendo a ANTF que, em Portugal, os cursos de treinadores são escassos e com poucas vagas, por que motivo em vez de apresentar uma queixa contra um jovem treinador com o 3.º nível, não coloca em causa a forma como a cadência da formação tem vindo a ser feita? Por que motivo, em vez de referir que respeita os regulamentos, não os coloca em causa e luta por uma adaptação à realidade?
O caso João Pereira não é virgem. Já aconteceu o mesmo com Ruben Amorim, assim como com o treinador do Casa Pia que por sinal também se chama João Pereira. De uma forma pragmática perceberia que a ANTF apresentasse uma queixa contra os treinadores sem habilitações se estes não se inscrevessem e não demonstrassem intenção de frequentar os respetivos cursos. Aqui a questão é que os dois João Pereira pretendem fazer o quarto nível, mas não existem cursos disponíveis! O que os adeptos do futebol questionam é por que motivo os cursos não abrem quando existe tanta procura?
Outra questão prende-se com os anos que são necessários para atingir o último nível exigido. Em Portugal, o trajeto para se alcançarem as habilitações necessárias a poder desempenhar a função de treinador sem restrições tem a duração de 8/9 anos. Contudo, existem outros países em que o processo é bem mais simples, como a Escócia ou a Irlanda. Faz algum sentido que os nossos jovens treinadores para obterem as habilitações necessárias tenham de se inscrever noutros países? Sabendo nós que tirar um curso noutro país exige um investimento mais elevado, com esta forma de agir estamos a limitar as oportunidades apenas para aqueles que têm capacidade de investimento? Numa área em que somos claramente reconhecidos e em que exportamos talento, faz sentido limitar as oportunidades a jovens treinadores que querem demonstrar o seu valor?
O papel de uma associação de classe profissional é o de perceber o contexto, ser exigente, mas ter a noção da realidade. Neste caso, como noutros no passado, os treinadores por muito que queiram ter as habilitações necessárias não conseguem por falta de cursos disponíveis. Assim sendo, parece-me que a posição da ANTF deveria ser a de encontrar soluções, ter bom senso e defender os seus, ao invés de os atacar sob o pretexto de que está a respeitar os regulamentos, que claramente estão desatualizados!
O caso Daniel Sousa
Daniel Sousa foi contratado pelo SC Braga no início desta época, após uma tentativa de contratação falhada ao Arouca no início de abril. Após uma jornada foi despedido (sem um acordo mútuo) e no dia a seguir foi contratado um novo treinador (Carlos Carvalhal) que tomou conta dos destinos da equipa. Este é mais um exemplo da luta desigual entre treinadores e clubes. Para explicar isto relembro a transferência de Ruben Amorim para o Manchester United. O clube inglês quis contratar Ruben Amorim e este quis ir para Inglaterra. Contudo, para o processo se poder concretizar, o Manchester United teve de chegar a acordo com o Sporting e só depois Ruben pôde seguir o seu sonho.
Agora pensemos no inverso. Um clube, como o SC Braga, quis despedir o seu treinador. Chegou ao pé dele, disse-lhe que estava despedido e apresentou no dia a seguir outro treinador. Faz sentido que assim seja? Os treinadores só têm deveres e não têm direitos? Em Espanha, por exemplo, sempre que um clube pretende despedir um treinador tem de chegar a acordo com este e só depois pode apresentar o novo timoneiro da equipa. Estas são as questões em que a ANTF deveria intervir e lutar para alterar o modus operandi atual. Defender os treinadores é dar-lhes argumentos para se poderem proteger.
Voltando ao caso Daniel Sousa, soubemos esta semana (em novembro!) que, afinal, ainda não existe acordo entre o SC Braga e o ex-treinador. O SC Braga emitiu um comunicado de nove alíneas em que acusou o seu ex-técnico de ser imoral, e no último ponto refere que se Daniel Sousa for para a via legal deverá ganhar o processo. Ou seja, o treinador está a ser imoral, mas tem razão!
Daniel Sousa, para se defender, emitiu também um comunicado. Se for verdade tudo o que escreve estamos perante uma situação grave. Daniel Sousa refere que foi despedido a seguir ao jogo com o Estrela da Amadora e que lhe foi ordenado que retirasse imediatamente todos os seus pertences do seu gabinete no centro de estágio naquele preciso momento. Não só não lhe permitiram (como é normal) que voltasse no dia seguinte para se despedir dos que com ele trabalharam, como ainda lhe deram uns sacos pretos do lixo para pôr os seus pertences.
Acredito que o treinador se tenha sentido humilhado e por isso é que faz a alusão aos sacos pretos no seu comunicado. É nestes momentos que seria importante o papel da ANTF. Em primeiro lugar deveria averiguar os factos e em segundo defender de uma forma contundente um seu associado. A ANTF é tão rápida a fazer denúncias sobre treinadores que não têm o quarto nível, mas nestes casos não se faz ouvir e remete-se ao silêncio.
Por fim, se o que Daniel Sousa enunciou no seu comunicado for verdade, o comportamento do SC Braga e dos seus dirigentes é inadmissível. Cada um pode tomar as decisões que bem entender, mas tem de haver sempre respeito pelos profissionais e pelas pessoas com quem se têm relações profissionais. Não é com este tipo de comportamentos nem forma de estar que o futebol português vai evoluir.
A valorizar
A emissão do empréstimo obrigacionista que o FC Porto concluiu esta semana demonstra a confiança e credibilidade dos investidores nesta nova administração, na qual José Pedro Pereira da Costa é o CFO.