Luís Godinho e tudo o resto
Luís Godinho (na imagem com Morten Hjulmand) arbitrou o clássico da noite de sábado entre Sporting e FC Porto (IMAGO)

Luís Godinho e tudo o resto

OPINIÃO03.09.202409:45

O Poder da Palavra é o espaço de opinião semanal de Duarte Gomes, ex-árbitro

O trabalho da equipa de arbitragem liderada por Luís Godinho no clássico do passado sábado foi de grande qualidade.
O internacional eborense esteve sempre perto dos lances (é dono de excelente condição física), colocou-se bem em todo os momentos de jogo, foi diplomático quando tinha que ser e afirmativo quando a situação o exigia. Respeitou, fez-se respeitar e, mais importante, acertou. Acertou quase tudo, nomeadamente os lances de maior relevo.
O reconhecimento deste facto é importante para calibrar os pratos de uma balança quase sempre desequilibrada. É que se as coisas não tivessem corrido bem, se tivesse havido erros ou decisões controversas, o mundo inteiro estaria agora a levantar suspeitas, a fabricar teorias de conspiração e obviamente a assassinar, sem dó nem piedade, o caráter do profissional e do homem.

Não é corporativismo nem calimerice. É mesmo assim, foi sempre assim. E é por sabermos isso que devemos ter a nobreza de elogiar um trabalho de nível quando ele acontece em circunstâncias tão exigentes. Enquanto ex-árbitro que dirigiu vários jogos do género, acertando e errando muitas vezes (muitas nesmo), sei bem quão importante é o reconhecimento de valor quando lhe é devido. E no caso de Godinho, por todas as razões e mais algumas, é mais que merecido esse elogio e aplauso. Muito bem.

Não vivo noutro planeta. Vivo neste e vai para 52 anos. Por isso penso que sei (mais ou menos) como é que as coisas funcionam. Sei aquilo que temos de mais belo e extraordinário e o que temos de mais feio e censurável. E também sei que num mundo assim, tão diverso e imprevisível, é geralmente o ser humano quem dita as regras. E é por aí que a coisa consegue ser de uma bipolaridade assustadora. É que há pessoas altruístas e genuínas, orientadas para o bem e para a construção de coisas positivas, com ética e verdade. E depois há outras, mais insensíveis ou calculistas, capazes de esmagar tudo e todos, para (tentar) atingir os seus objetivos.

Ainda que ciente disso, não deixo de continuar a desiludir-me com aqueles que, pela forma como se posicionam, acabam por transmitir alguma fragilidade de caráter. Refiro-me por exemplo aos que parecem estar sempre disponíveis para vender a alma a troco de meia dúzia de trocos. Aos que se predispõem a disparar em todas as direções desde que se pague e de preferência bem. Não lhes importa se é verdade, meia verdade ou mentira. Não lhes importa se criam danos reputacionais, se magoam ou afetam o trabalho e vida pessoal dos visados. O que lhes importa é cumprir um plano, uma agenda pré-definida para denegrir, enxovalhar e desacreditar, através de discurso aparentemente polido. Curiosamente o alvo são quase sempre aqueles que mais temem, que é como quem diz, o que realmente os move, lá no fundo, é o medo.

Não se pense que o fenómeno é recente. Não é. É algo que existe desde sempre, um pouco por todo o lado.
A minha opinião é simples: qualquer pessoa ou instituição que aceite iludir, ludibriar ou mentir publicamente (seja que de forma for) apenas para reforçar narrativa pré-concebida, para confundir, baralhar, dividir ou desunir, não é lobista, não é profissional, não é nada. É um pobre coitado que aceita dançar a troco do cheque que canta mais alto. Pode não ser ilegal, mas é poucochinho. Muito poucochinho.

Diz-se que o mundo é mesmo assim, que hoje em dias as coisas funcionam dessa forma e que esses faitdivers não passam de manobras de distração, de mero taticismo político. Pois eu, que de santo não tenho nada (longe disso), acho que é precisamente a normalização dessa constante falta de ética que torna este mundo um bocadinho mais feio e instável. Também acho que, no fim das contas, é tudo inócuo, porque o melhor, o mais capaz e competente, ganha sempre, mas mesmo sempre. É chato, mas é lidar.