JackPote!

OPINIÃO21.05.202107:00

Como podia Fernando Santos não levar Pedro Gonçalves ao Europeu?

Nfaço a menor ideia se Pedro Gonçalves gosta de responder pelo nome de Pote. Eu não gostaria. Nem gosto de o chamar assim ou de ouvir chamarem-no assim. Confesso, porém, que me dá, agora, um jeito especial poder fazer o título desta crónica usando a alcunha que o avô, naturalmente por amor, e alguns outros provavelmente por bullying, lhe colocaram na adolescência.
Por ser, então, gordinho, como ele próprio contou, Pedro Gonçalves passou primeiro a Potinho e depois a Pote, até conseguir, agora, na sua primeira época num clube grande, ser campeão nacional e fazer ainda o surpreendente e inesperado JackPote como melhor marcador da Liga, algo que nunca esperei, também confesso, e muito poucos imaginariam, certamente, ao alcance do jovem transmontano de 22 anos e 1,73 de altura.
Para um médio, apesar de ofensivo, como é Pedro Gonçalves, chegar aos 23 golos nunca pode deixar de ser notável. Ele é, aliás, o primeiro médio a vencer A BOLA de Prata, o mais antigo troféu individual do futebol português, instituído há mais de cinco décadas pelo jornal A BOLA, e isso dá, evidentemente, maior dimensão ainda ao rendimento em golos que veio a ter Pedro Gonçalves na equipa campeã nacional.
É possível que ele tenha neste Sporting, e falo por mim, um bocadinho como a Coca-Cola… com uma presença que primeiro estranhei, e depois se entranhou… e foi assim que o fui vendo, ao longo da competição, a crescer, a surpreender e a mostrar-se realmente um jogador diferenciado, com esta facilidade de jogar simples e de forma muito variada e de aparecer em zonas de finalização com muito conhecimento do jogo. Como diria o mago Johan Cruyff, «jogar futebol é muito fácil, mas jogar um futebol fácil é a coisa mais difícil!». Nunca pensei, na verdade, que Pedro Gonçalves chegasse tão longe, tão depressa. Mas como chegou, bem merece ir ao Europeu!

F REDERICO VARANDAS é o presidente de um Sporting vencedor e tinha, obrigatoriamente, de discursar ontem, na Praça do Município, na homenagem que, através da Câmara, Lisboa prestou ao novo campeão nacional de futebol.
Apesar da reconhecida dificuldade de oratória atribuída (e bem) ao líder leonino, esperava-se, desta vez, que Varandas soubesse aproveitar o tanto que tinha a favor para tocar verdadeira e exclusivamente no coração do clube, dos heróis vencedores e de todos os sportinguistas, no sentido de apenas realçar a merecida dimensão dos que trabalharam, dentro, e dos que sofreram, fora, para o clube aqui chegar, ao fim de 19 longos anos de solidão.
Esperava, confesso, que Varandas acabasse por ser, desta vez, à imagem, aliás, do que foi a equipa campeã, também uma, pequena que fosse, lufada de ar fresco, que o futebol português parece continuar a precisar. Esperava, reafirmo, que Frederico Varandas desse, no fundo, sequência à sensatez com que veio a optar pelo silêncio na maior parte a época e com ele transmitir, afinal, muito mais do que se passasse a vida a falar (mal), como se viu sempre que decidiu dar voz à sua difícil expressão e oralidade.
Pois o que o presidente do Sporting fez no dia em que Lisboa homenageou institucionalmente o campeão Sporting foi tirar-me a ilusão de o ver dar um outro exemplo, e apesar de melhor comunicado ou de melhor dito, o discurso de Frederico Varandas voltou, sim, a mostrar como o líder do Sporting não resiste a falar dos adversários (e muito falou dos adversários, com ataques despropositados para o momento) quando devia ter aproveitado o tempo para falar apenas do que era realmente importante: o Sporting! Foi igual a tantos outros.
Usando a sempre inconveniente ironia que até me parecia não ser um qualificativo da sua personalidade, muito mal creio ter estado igualmente Frederico Varandas ao referir-se ao rival Benfica como aquele que não venceu, e cito Varandas, «por ter sido o único clube do mundo a sofrer de Covid-19».
Varandas é médico, esteve inclusivamente na linha da frente do combate à doença que mudou o mundo, e não lhe fica nada bem ter dito o que disse sobre o que o Covid afetou ou não um adversário, nem isso é propriamente uma justificada bicada na águia. Quanto muito, é uma insolência!

PONTO de ordem: podem os adversários do Benfica manter a insistente desvalorização dos argumentos encarnados sobre as consequências do surto de Covid-19 que atingiu a equipa, muito em especial, no mês de janeiro, e que, segundo os responsáveis da Luz, muito afetou o rendimento da equipa e terá tido, em maior ou menor parte, peso na má época (muito abaixo das expectativas) que a equipa realizou. Podem ainda os comentadores insistir em generalizar a coisa como se o Covid tivesse, realmente, sido igual para todos, quando todos sabemos muito bem, e em rigor, que não foi.
Podem também, por ajuste direto ou indireto de algumas contas com o clube da Luz ou com os seus (ou alguns) responsáveis, insistir muitos outros no custo do investimento feito pelo Benfica, no preço dos discursos do treinador e de muitas das suas mais infelizes ou desajustadas afirmações, ou mesmo de explicações nem sempre fáceis de compreender. O que não podemos nem devemos é desvirtuar verdades ou alterar factos.
A equipa do Benfica foi ou não foi a que mais sofreu (e a que mais profundamente sofreu) com o Covid-19? Foi! E nenhuma outra equipa portuguesa (nem mesmo alguma equipa de ponta nas principais ligas europeias) sofreu, nem de perto, o que o Benfica sofreu, sobretudo, volto a sublinhar, a meio de janeiro, quando tinha acabado de deixar o Dragão com um valoroso empate e quatro pontos de atraso do líder Sporting.
Explica isso tudo o que de mal sucedeu com o rendimento da equipa do Benfica neste campeonato? Não, claro que não! Mas não explicar tudo não significa não explicar nada. Explica, claro que explica, e de forma significativa.
Investiu o Benfica mais de 100 milhões de euros para satisfazer os caprichosos desejos do treinador, como também parece querer-se fazer passar? Não! Por desejo do treinador, o Benfica contratou para esta época Everton Cebolinha (20 milhões de euros num jogador de reconhecida qualidade), Darwin Nuñez (24 milhões, num jogador de reconhecido potencial), Lucas Veríssimo (6,5 milhões num jogador que devia ter vindo muito mais cedo) e Gilberto (3 milhões num jogador que continuo, com toda a franqueza, sem perceber o que Jorge Jesus viu nele para o querer na Luz).
Pelas minhas contas , os caprichos de Jesus custaram ao Benfica 53,5 milhões de euros, e não os mais de 100 milhões que insistentemente são referidos como também culpa de um treinador que ainda não há muitos meses era tão elogiado, provavelmente, por estar longe do País. É preciso, em rigor, lembrar que jogadores como Waldschmidt ou Pedrinho (que custaram, os dois, perto de 34 milhões de euros) estavam já como que pré-comprados muito antes de passar pela cabeça de Jesus a possibilidade de voltar ao Benfica, e que Otamendi, por exemplo, foi uma consequência do negócio da venda de Rúben Dias e não uma opção clara de início.
Que Jorge Jesus lidou muito mal com esta época, não tenho muitas dúvidas. E teve muita dificuldade em lidar com coisas demais - comunicação, Covid, falta de público, gestão de jogadores, resultados, futebol da equipa, no fundo, foi tendo dificuldade em lidar com a expectativa (que ele próprio criou), com a oposição que Jesus parecia estar habituado a não encontrar da parte dos média, e com as faturas que pelo menos meio mundo (e talvez até o outro meio) foi querendo passar ao Benfica, como se tudo aquilo que foi envolvendo o clube nos últimos anos (casos em tribunal, suspeitas várias, procedimentos impróprios e muito discutíveis comportamentos), tivesse de desabar, numa época só, sob a cabeça do treinador e da equipa.
Jesus não se expressa bem? Não, e essa dificuldade não é de hoje, nem é nada que não conheçamos. Sabemos como a dificuldade cria ainda mais dificuldade quando não se dizem as coisas certas e muito menos se escolhem os melhores momentos, e o Jesus sabe, agora, que paga pelo que deve pagar e também paga pelo que não deve. É preso por ter cão e é preso por não ter!
O mundo está diferente, não é mais o mesmo que Jesus conheceu nos outros seis anos de Benfica, cinco dos quais (exceção feita ao desastre que foi a época de 2010/2011) ou a ganhar ou a lutar muito para ganhar. O cenário do Benfica é também hoje profundamente diferente, porque o clube se autofragilizou em muitos (e relevantes) aspetos e ganhou muitos inimigos exteriores, parecendo até ter vindo, sobretudo no último ano, a ganhar forma a ideia de muita gente recusar defender ou dizer bem do Benfica para não correr o risco de ficar mal na fotografia. É um problema que só o Benfica pode realmente resolver e parece-me que só pode começar por resolver pela comunicação e pela imagem, sobretudo se pensarmos que vivemos verdadeiramente no tempo da comunicação e da imagem, nem sempre, como sabemos, pelas melhores razões. É o tempo em que domina quem tem esse poder.  
Mesmo com pouco conteúdo!