Futuro a prazo

OPINIÃO08.02.202206:00

Toda a gente sabe e reconhece o benfiquismo do presidente mas também por isso apetece perguntar: onde está a chama imensa, Rui?

MULTIPLICAM-SE as reações nas últimas horas. Foram muitos os tributos e agradecimentos e quase todos incluíram palavras de despedida, como se fosse um até sempre. Ora, na verdade Pizzi não vai deixar definitivamente o Benfica. Vai passar uns meses num clube turco e depois logo se verá. Foi a solução possível depois de uns últimos meses que pareceram anos enquanto os responsáveis pelo planeamento desportivo do Benfica tentavam colocar o jogador. Foi uma das poucas boas notícias deste mercado, se quisermos ser simpáticos. Se dispensarmos a simpatia poderemos inferir que este é apenas mais um exemplo do défice de liderança que tem caracterizado o mandato de Rui Costa: nunca existiu uma estratégia para este atleta que deu muito ao clube mas que foi caindo em desuso. Enquanto a solução era adiada, nada disso parece ter impedido Pizzi de exercer uma influência improvável fora do relvado.

Sim, foi um dos capitães, mas a acepção do termo costuma ser outra na cabeça dos adeptos. Não é a primeira vez que Pizzi surge no centro de uma destas histórias. Há muito que os adeptos ouvem falar de um conjunto de jogadores deste plantel que, segundo reza a lenda e algumas capas de jornais, estão em condições de garantir a continuidade de um treinador ou o final antecipado da sua passagem pelo clube. É ainda mais preocupante se pensarmos na longevidade dos referidos atletas, que são hoje a prata da casa. Já os treinadores foram passando, quase sempre vítimas de um abrandamento das respetivas equipas. Essa limitação tem sido repetidamente imputada aos treinadores, mas todos vimos e temos visto a falta de atitude dos jogadores em diversas ocasiões. Talvez a sucessão de mudanças na estrutura técnica mereça uma análise mais profunda.

O trajeto de Pizzi no Benfica termina com o capitão confortavelmente situado no epicentro de uma controvérsia que culmina com o afastamento do treinador principal, isto semanas depois de todos os adeptos já terem despedido nas suas cabeças esse mesmo treinador, isto depois de uma época desportiva deixada em circunstâncias dificilmente remediáveis. Neste sentido, o lugar de Pizzi e o protagonismo que adquiriu acaba por ser paradigmático de uma época em que a influência exercida pela direção sobre as variáveis mais importantes para um projeto desportivo de sucesso - atletas, equipa técnica, fatores externos - tem sido quase sempre frágil ou inexistente.
 

Vitória do Benfica em Tondela é considerada por Vasco Mendonça como «cuidado paliativo» que proporciona aos benfiquistas «alguns momentos de paz»


Esta é a altura do texto em que o leitor pergunta se tudo o que o Pizzi fez no Benfica foi semear discórdia e instabilidade, ao que eu respondo desde já que não. Pizzi foi um dos melhores atletas do futebol sénior na última década e não há estatística que permita desmentir esta afirmação. Também é inevitável que existam várias leituras possíveis para isso. Podemos destacar o contributo decisivo que deu em muitos momentos e a importância que assumiu em algumas equipas tituladas, podemos criticar a sua intolerância em muitos jogos grandes, ou podemos atribuir a sua grandeza ao próprio encolhimento do próprio Benfica. Talvez seja um pouco de tudo isto, mas isso não nos pode impedir de expressar gratidão pelas alegrias que nos deu. Aqui chegados, conseguimos o pior cenário possível: a saída muito pouco airosa de um jogador que podia ter tido uma despedida muito mais condigna, se esta tivesse acontecido há bastante tempo.

É aqui que continuamos, enredados numa história em que os capítulos subtraem em vez de acrescentar. O caso de Pizzi é apenas mais uma solução tardia num ano em que o segredo parece ser esperar que a época termine sem que nada de excessivamente doloroso aconteça até ao final. Só assim se explica a postura invulgarmente apática em relação a este mercado, que termina com um frenesim de jogadores a caminho da Turquia, sinal de que não soubemos negociar os jogadores atempadamente para ligas mais competitivas, ou, pior ainda, de que esses atletas não interessam a clubes dessas ligas.

Os cuidados paliativos vão dando alguns momentos de paz, permitindo até a ilusão oferecida por uma vitória autoritária em Tondela, mas o facto é que ninguém sabe muito bem em que direção vai esta equipa ou aqueles que a lideram. Cada jogo que vencemos é uma oportunidade para acreditar que vem aí um ciclo de consistência, e espero bem que se confirme, mas se pouco ou nada daquilo que está à vista parece ter mudado é difícil acreditar que as coisas serão cada vez melhores daqui em diante. O que sabemos hoje é que a estabilidade que nos haviam prometido, o projeto desportivo delineado com certezas, a liderança intransigente, a defesa do Benfica face aos restantes atores do futebol português, a integridade reputacional da instituição, todas estas coisas continuam a não passar de palavras simpáticas sobre um futuro que tem sido anunciado, mas que não é consubstanciado sob a forma de uma direção forte, de decisões claras, e de compromissos consequentes.

Talvez cheguem, como outras decisões, e talvez nesse dia seja tarde demais. Cada dia que passa sem se ver mudança é uma oportunidade perdida, e os mandatos aparentemente longos podem de repente tornar-se areia a fugir por entre os dedos, sujeitando os benfiquistas a um futuro a prazo que tem tudo para ser ainda mais penoso do que os últimos meses. Toda a gente sabe e reconhece o benfiquismo do presidente, mas também por isso apetece perguntar: onde está a chama imensa, Rui?