OPINIÃO Em Luanda sucumbi, por Luanda me apaixonei
Memórias do dia em que Vítor Serpa tinha na mão o poder de, com uma única palavra, me mandar para o fundo do peço ou levantar-me do chão. Eu sou o Jorge e esta é a crónica desta semana do Livro do Desassossego...
À medida que vou… desjuvenescendo menos razões encontro para esconder os medos, fraquezas e fragilidades. Esconder é um exercício inútil e desgastante. Um jogo de máscaras a exigir a disciplina que não tenho e que me provoca o pesadelo de um dia acordar e não reconhecer o meu rosto. Ninguém é tão bom ator que consiga enganar toda a gente o tempo todo. O bluff é uma estratégia que, quando resulta, tem apenas efeitos no imediato, é um péssimo plano a longo prazo. Por outro lado, não há super-heróis. Todos temos medos, fraquezas e fragilidades. Mas não havendo super-heróis, há pessoas capazes de atos heroicos, estando no meu top fazer o que é certo contra o que nos favorece ou agrada; educar um filho pelo exemplo; estender a mão a quem está no chão. E foi este ato heroico que Vítor Serpa teve comigo.
Em Março de 2009 estava em Luanda para o lançamento do projeto A BOLA-Angola. Era suposto ficar um a dois meses, não aguentei mais do que uma semana. Perdi o controlo emocional, lidava com permanentes ataques de ansiedade, tudo à minha volta me parecia demasiado estranho. Tudo era uma agressão. E um dia, ao fim de uma hora sem conseguir escrever mais do que três linhas, acreditei que tinha chegado ao fim o sonho de ser jornalista de A BOLA por manifesta falta de atributos. Estava nestes pensamentos quando recebi uma chamada de Vítor Serpa, que já tinha regressado a Lisboa. Seguramente que me iria dizer, pensava, que eu seria muito bom rapazinho mas não tinha estofo para A BOLA.
A conversa foi curta, mas marcou a minha vida. «Jorge, vem para casa, está doente, tens de te tratar antes de voltares ao trabalho», disse-me. Consegui chorar pela primeira vez e só respondi com um muito obrigado. Ao que Vítor Serpa respondeu: «Não tens nada que agradecer. Aqui em A BOLA somos uma família e as famílias cuidam dos seus». Voltei, curei-me rápido e decidi que merecia mais uma oportunidade para me apaixonar por Angola. E voltei a Luanda e apaixonei-me. Pelo sol, pela fruta que sabe a fruta, pelo Calulu e pela Cuca. Pelo semba, o kuduro e o kizomba… Pela Baía e pelo prazer de degustar devagar. Malembelembe… E, acima de tudo, apaixonei-me pelas pessoas. Como me apaixonei, anos mais tarde, por Moçambique, a Pátria Amada, do Rovuma ao Maputo.
A maior arma de destruição que o homem alguma vez inventou continua a ser a palavra. E o melhor medicamento para salvar vidas continua a ser a palavra. Tendo na mão o poder de me mandar para o fundo do poço ou dar-me a mão para me levantar, a escolha de Vítor Serpa fez com que contraísse uma dívida de gratidão. Uma dívida que não é para pagar ao próprio, mas ajudando outro que esteja na mesma situação em que estive. Dívida que fez com que mudasse o chip de «o que posso dar a A BOLA?» para «o que posso ser em A BOLA?».
A minha mãe sempre me ensinou deste pequenino que nunca devia dizer mal de ninguém, muito menos nas costas, era munição que daria a outros para usarem contra mim. E que devemos ser generosos nos elogios e nas palavras de conforto. Nunca sabemos quando podemos estar a salvar alguém. Como dizia Madre Teresa de Calcutá, «as palavras de amizade e conforto podem ser curtas e sucintas, mas o seu eco é infindável.»
Revivi toda essa experiência quando li a carta de despedida que Vítor Serpa escreveu aos leitores depois de cinco décadas de A BOLA, três delas como Diretor. Para mim não foi despedida, porque a família será sempre família.