A bem ou Yamal
Lamine Yamal, 17 anos, o novo grande herói (foto Imago)

OPINIÃO A bem ou Yamal

OPINIÃO18.07.202402:11

O tratado filosófico de Jorge Palma: «Somos todos escravos do que precisamos. Reduz as necessidades se queres passar bem.»

No regresso a casa depois mais um dia de trabalho, após a final do Europeu, vou ainda a digerir como é que um miúdo que fez 17 anos na véspera da final se assume como figura maior da competição em todas as valências técnicas, táticas e de personalidade. Lamine Yamal. Ouvir música ajuda-me a pensar e a escolha é demasiado óbvia para mim: «A gente vai continuar», de Jorge Palma.

Jorge Palma tem lugar garantido na minha playlist. Mais do que um grande intérprete, escreve canções com a arte e precisão de um ourives. E a letra de A Gente Vai Continuar é um verdadeiro tratado filosófico: «Somos todos escravos do que precisamos / Reduz as necessidades se queres passar bem». E eis como em dois simples versos encontramos um roteiro para a felicidade. A felicidade nunca está naquilo que temos mas no saldo entre o que temos e o que desejamos. É possível ser-se feliz com pouco, é possível ser-se profundamente infeliz com muito, em especial se esse muito se consome num processo de dependência. Porque – dou de novo a palavra a Jorge Palma – «A dependência é uma besta / que dá cabo do desejo». Um estado em que o objeto do desejo desafia as leis da física por, em vez de preencher espaços, aumentar vazios. Neste contexto, reduzir as necessidades é um exercício de liberdade que, no tratado filosófico de Jorge Palma, «é uma maluca que sabe quanto vale um beijo».

Esta semana, Francis Obikwelu decidiu também ele transformar simples declarações num tratado filosófico. Não entende o medalha de prata dos 100 metros nos Jogos de 2004 porque é que os jovens se queixam tanto tendo tudo.  Vida difícil? Não. Havendo saúde, é muito fácil, atira Obikwelu. E a necessidade aguça o engenho e os… músculos, já a fartura torna-nos escravos das necessidades que a sociedade vai inventando para nós. 

Lembrei-me agora de um provérbio que julgo ser oriental: «Homens fortes criam tempos fáceis e tempos fáceis geram homens fracos, mas homens fracos criam tempos difíceis e tempos difíceis geram homens fortes.» Um ciclo que se renova e que só pode ser quebrado quando homens fortes garantirem que as gerações mais jovens serão livres para escolherem apenas o que é essencial e tiverem de lutar por elas próprias. Estamos a perder essa batalha.

Estou a chegar a casa e acho que já estou a divagar. Voltando ao tema, não sei se Lamine Yamal vai ter a carreira que o seu talento antecipa. Não sei se vai chegar ao topo. Sinceramente, espero que ele seja o primeiro a nem pensar nisso. O mal de definirmos metas é que nos limita o prazer do percurso. Meu caro Lamine Yamal, «Vai onde tu quiseres, mas goza bem a tua rota», é o conselho de Jorge Palma. Reduz as necessidades, ordena bem a lista de prioridades e assume o direito a seres livre, deixando espaço para seres feliz a fazer o que mais gostas. Se assim fizeres, vais ter sucesso. A bem ou Yamal.