É Justo!

OPINIÃO14.05.202107:00

Foram Rúben Amorim e jogadores os mestres da obra, mas não será Varandas o arquiteto?

Éo Sporting um justo campeão? Claro que é um justo campeão, e tirando uma ou outra muita rara exceção na história do futebol, por muito que alguns insistam em lamentar-se; a verdade é que muito dificilmente um campeão não é o justo campeão e um campeão justo!
Como sucede, naturalmente, agora, com o Sporting, novo campeão português e de novo campeão ao fim de longos anos de escuridão em matéria de título principal, apesar, é bom que a história não o esqueça, de todos aqueles anos de extraordinários combates do Sporting de Paulo Bento, com muitas idas à Liga dos Campeões, duas Taças de Portugal, e uma equipa cheia, essa sim, verdadeiramente cheia de jovens talentos da formação leonina, como Rui Patrício, Daniel Carriço, Bruno Pereirinha, Miguel Veloso, João Moutinho, Yannick Djaló, Nani, para citar  os casos mais notórios de jovens craques que Paulo Bento ajudou (sem dúvida a maioria) a transformar em figuras de primeiríssima linha do futebol nacional e até mesmo internacional.
Foram, para todos os efeitos, e apesar desse ar de tremenda graça do leão de Paulo Bento, 19 anos de tentativas falhadas do leão chegar ao título que conquistara, no virar do século, primeiro em 2000, depois em 2002, com a mesma justiça, absolutamente inquestionável, com que repete a proeza.
Devo dizer, aliás, recordando ainda aquele título de 2000 (tão gostosamente lembrado, agora, numa emocionante entrevista à BOLA TV, por César Prates, que nenhum sportinguista deveria perder...), que nunca vi festa igual por Lisboa e resto do mundo como aquela, que levou mesmo o búlgaro mais português de sempre, como se tornou Iordanov (e logo a seguir Balakov), a colocar um cachecol verde e branco no pescoço da estátua do Marquês de Pombal.
Acredito que aquilo que o Sporting voltou a viver agora só não foi semelhante por causa das circunstâncias em que vivemos, e mesmo assim foi o que se viu, em muitos momentos, de modo que podemos lamentar, é verdade, mas com uma emoção difícil de controlar, muito difícil de controlar, na circunstância absolutamente singular e ímpar de se ver um clube regressar ao trono do futebol português 19 anos depois (!!!) da última celebração.
Não vale a pena, agora, atirar mais achas para a fogueira de uma festa que chegou a viver, repito, lamentáveis confrontos com a polícia, sempre desejavelmente evitáveis, mas também, quase sempre, previsivelmente esperados, quando se trata de ver destapada a panela de pressão para a euforia de massas adeptas emocionalmente descontroladas, como seria, evidentemente, o caso na noite da última terça-feira.  

Oque vale a pena, isso sim, é destacar e elogiar os vencedores e honrar os vencidos, num despique que chegou a ser muito competitivo e naturalmente muito emotivo, sobretudo quando o FC Porto chegou a parecer adversário realmente à altura de desafiar a supremacia do Sporting.
Sporting justo campeão, volto a sublinhar, no campeonato, porém, mais controverso (pelo menos controverso, sem recorrer a qualquer estatística) desde que o VAR passou a fazer parte do jogo.
No fim das contas, claro que ficará até mal aos adversários de um leão imbatível até à 33.ª jornada, virem reclamar das vicissitudes da competição, mas manda a verdade que se reconheça que, ou muito me engano, ou este foi mesmo o campeonato mais controverso em matéria de arbitragem com VAR, se considerarmos, sobretudo, que alguns erros, alguns procedimentos, alguns comportamentos, já não se esperariam agora que se concluiu a quarta época com recurso às chamadas novas tecnologias de auxílio (e é grande auxílio, indiscutivelmente) à verdade desportiva.
Olha o País desportivo, e futebolístico, em particular, para o sucesso sportinguista e logo se concentra inevitavelmente no nome de Rúben Amorim, o jovem treinador (um dos mais jovens de sempre a vencer o campeonato português) que conduziu o leão ao título logo na primeira época completa em Alvalade, quando nada, mesmo nada o faria prever quando, no início da temporada, se alinharam os candidatos na habitual grelha de partida para a competição.  

MAS sobre o justo campeão, é inteiramente justo na hora do banquete, que ninguém se esqueça do nome de Frederico Varandas, o presidente de um Sporting suficientemente fraturado para lhe garantir consensos, suficientemente dividido para poder prometer paz, suficientemente massacrado para querer ambicionar sucessos desportivos, e suficientemente fragilizado para sonhar com uma equipa de futebol forte e competitiva.
Não costumam ter os presidentes muitos méritos quando se trata de vencer campeonatos. Elogiam-se naturalmente treinadores e jogadores, porque na verdade são eles os mestres da obra. Dos presidentes se espera, sempre, é que arranjem dinheiro para bons jogadores e que tomem as decisões certas para criar estabilidade.
Não sei, com toda a franqueza, se Frederico Varandas tem ou não muitos méritos neste extraordinário e surpreendente título do Sporting, mas sei que tem, pelo menos, dois e enormes. Talvez poucos, mas seguramente fortes. O de ter decidido arriscar em Rúben Amorim e nele confiar, diria, quase cegamente, e o de ter compreendido que o silêncio, o resguardo, a contenção, a permissão à voz única do treinador, seria mesmo a melhor estratégia para ajudar a equipa a unir-se, a tornar-se verdadeiramente forte e solidamente competitiva.
Os projetos, no futebol, não são, no fundo, mais do que a aparente simplicidade dessas decisões: ter a sorte de contratar um bom treinador e confiar nele o suficiente para que o treinador sinta que pode levar o barco de acordo com as suas ideias e sem esperar grandes sobressaltos. É isso que faz um projeto no futebol. O resto, depois, são escolhas, opções, competências de treinador, equipa técnica, staff do futebol, e, evidentemente, dos jogadores.
Pode um presidente ter a melhor das intenções que de pouco lhe servirão se for infeliz na escolha do treinador, ou se o contexto for para um treinador um contexto mais adverso do que seria para um qualquer outro treinador, que é que o leitor me entende.
Um exemplo: eram incompetentes todos os treinadores que um dia tentaram, sem sucesso, o sucesso do Sporting? Certamente que não. Mas há treinadores mais certos para um certo momento. E o que sucedeu com a chegada de Rúben Amorim foi, como exemplo, mais ou menos a mesma coisa que um dia sucedeu com a chegada de José Mourinho ao FC Porto.
Encontrado o perfil, é preciso confiar no treinador, deixar que seja ele a dominar, que seja ele a tomar as decisões sobre jogadores, que seja ele a definir as grandes opções relativamente ao futebol, que seja ele a criar estatuto junto da equipa, que seja ele a voz do coletivo. Foi assim, agora, com Amorim, como se viu, como foi assim, há vinte anos, com Mourinho no FC Porto, e todos os mais atentos se lembrarão. 

PODEM, pois, criar-se todos os cenários, mais ou menos complexos, sobre projetos desportivos, e imaginá-los mais ou menos grandiosos na arquitetura ou estruturantes na engenharia. No fim do dia, o essencial resume-se à simples (mas difícil) escolha do treinador.
Imagino, no caso do Sporting, e apenas imagino, que tenha sido Hugo Viana a convencer o presidente da boa opção em Rúben Amorim. Convencido, coube, então, ao presidente dar o peito às balas na esperada contestação ao pagamento de 10 milhões de euros para trazer Amorim de Braga para Lisboa. Podia correr mal? Claro que podia. E se corresse bem, como perguntou o próprio Amorim?!
Pois tendo corrido bem melhor do que a encomenda, é justo reconhecer-se a coragem da decisão de Varandas. E como escrevi, esta semana, na BOLA 3D (o jornal digital que A BOLA passou a editar para melhor servir ainda os seus leitores), Frederico Varandas foi como um daqueles avançados de quem dizemos serem capazes de meter a cabeça onde outros não metem nem os pés.
Se tivesse corrido mal, provavelmente teria sido o fim (ou muito próximo disso) do consulado de Frederico Varandas no Sporting, apesar de toda a boa intenção de dar (como tem dado) tudo o que pode para devolver ao Sporting o justificado orgulho de ser sportinguista.
Como correu bem, então direi que Varandas não fez apenas um golo. Fez um hat-trick. Ganhou no campo, na secretaria e nas finanças. Fez o pleno. E isso não pode deixar de ser evidenciado, num tempo em que ser um homem de caráter, sério e visivelmente bem intencionado como Varandas parece ser, não faz ainda a diferença que deveria fazer neste nosso futebol tão pobre de espírito.

PS - 1. Já não bastava o futebol dos ódios, passámos a ter o futebol dos tribunais! 2. Faz sentido, agora, e é justo para todos, aceitar adeptos do clube da casa na última jornada? Compreendo o desejo, mas não a decisão!