Critérios de adeptos ferozes
A razão de um fã de futebol ser, quase sempre, mais ferrenho a defender o seu clube do que a seleção do seu país tem a ver com fenómenos interessantes
I MAGINAMOS alguém com poder suficiente - um génio saído de uma lâmpada, como em Aladino - que nos fizesse a seguinte pergunta: preferes Portugal apurado para o Mundial e com grandes hipóteses de o vencer, ou que o teu clube seja campeão nacional?
Perante esta pergunta podem existir vários cálculos. Um adepto do Marítimo, por exemplo, além do facto concreto de saber que já não há pontos em disputa que possam conduzir o clube, apesar de ser o oitavo classificado, sequer ao terceiro lugar, poderia responder a favor do sucesso da Seleção. Mas vamos mais longe e concedamos ao génio a capacidade de permitir que mesmo o Moreirense ou o Belenenses SAD (que nem a um lugar europeu têm hipóteses de aceder) vencessem o campeonato. A resposta poderia mudar (exceto no Belenenses SAD, por não ter adeptos, que eu saiba) e tornar-se imediatamente a favor do clube.
Diferente é a resposta de um adepto de FC Porto, Sporting ou Benfica. Os primeiros, sabendo que é provável que o FC Porto ganhe mesmo sem ajuda de qualquer génio (salvo se algum árbitro for assim considerado), talvez apostassem na Seleção, na esperança de vencer tudo. Já os do Sporting ou do Benfica, tenderiam, sem dúvida, em maior número para a vitória do clube.
Voltando ao génio, terei de fazer um parêntesis para, além de explicar que não acredito em tais entidades, considerar que a pergunta é absurda e condicionadora da liberdade dos adeptos. Porque cada adepto (pelo menos os daqueles clubes que matematicamente ainda podem ser campeões, ou seja os três da frente), teriam de desejar mal à Seleção para o bem maior da sua equipa. O interesse, meramente teórico, da questão é tentar perceber por que motivo somos mais seguidores de um clube (que aliás nos costuma dividir de amigos e vizinhos, pelo menos nos grandes centros) do que de uma Seleção que nos une em todos os lugares de Portugal, de Norte a Sul, passando pelas mais remotas ilhas (até em países que tendo relações históricas com Portugal não participam no campeonato do Mundo, como é o caso de quase todas, ou mesmo todas, as ex-colónias).
NÃO SÃO SÓ NÚMEROS
C LARO que a Seleção portuguesa tem, em termos de apoio, muito mais gente do que qualquer clube. É evidente - basta recordar a vitória no Campeonato da Europa em 2016 - que toda a gente sem exceção, mesmo os que não veem futebol regularmente, mesmo os que raramente prestam atenção a uma partida, grita, usa as cores da bandeira, transporta a bandeira, cachecóis, distintivos; os que podem ou têm oportunidade para isso vão aos estádios em qualquer parte do mundo, os outros ficam especados em frente da televisão; amanhã, o Portugal-Turquia ditará audiências raras para a RTP 1, que vai liderar a tabela, ao contrário do que acontece dia após dia; recordo que na final do Europeu, em que um golo de Éder nos deu a taça, não se via vivalma na rua e que no dia seguinte se encheu a Fonte Luminosa.
Ou seja, não é falta de apoio à Seleção, nem falta de empenhamento ou muito menos, desinteresse. O que conta é que um adepto do Benfica, do Sporting, do FC Porto, do SC Braga, enfim de qualquer clube, trocaria essa possível alegria pela vitória do seu clube. Porque essa vitória diz-lhe respeito pessoalmente, a ele e aos sócios e adeptos que com ele comungam essa preferência clubística. Não é, digamos, uma questão de quantos são; pelo contrário, tendo a crer que quantos menos são os adeptos maior é a alegria de vencer uma competição,
Em Portugal, com a exceção das equipas do Minho, nomeadamente Braga e Guimarães, cujos adeptos são só do Braga ou só do Guimarães, quase todos os outros clubes têm sócios com preferências entre os três grandes. Conheço inúmeras pessoas deste e daquele clube, desta e daquela terra, que depois de dizer que são adeptos desse mesmo clube, confessam que, em termos de campeonato, preferem um dos três: FC Porto, Sporting ou Benfica (não por esta ordem, esta é a ordem em que estão classificados); sabe-se que o Benfica tem mais adeptos (embora não tantos quantos propala, mas isso será comum aos três), em segundo está o Sporting e, em terceiro, o FC Porto. É algo que não se modifica há mais de 50 anos… Não importa o número de vitórias e de derrotas de cada um. Claro que o FC Porto, com as épocas consecutivas em que foi campeão, com as décadas em que dominou (domina?) o futebol, viu um incremento assinalável no número de sócios. Mas o Benfica e - facto extraordinário face à escassez de vitórias - o Sporting nunca deixaram de ser o primeiro e segundo mais atrativos.
E os adeptos destas três equipas dariam a mesma resposta ao tal génio que não existe, mas nos serve de exemplo: preferem um campeonato a uma carreira grandiosa de Portugal, com eventual vitória, no Mundial do Catar.
PORTUGAL… E OS PORTUGUESES
A PONTANDO, agora, para a partida de amanhã, contra a Turquia, é bom referir que não são - como se costuma dizer - favas contadas. Portugal está com deficiências na defesa, inconstâncias no meio-campo e falta de concretização no ataque. Não esqueçamos que os dois últimos resultados de jogos oficiais da Seleção foram um empate contra a Irlanda, em Dublin, em novembro, e, três dias depois, a 14 do mesmo mês, uma derrota caseira face à Sérvia, que ficou em primeiro lugar no grupo. Naturalmente, pode dizer-se que o nosso empate com a Sérvia em Belgrado, ainda em março do ano passado, foi algo despropositado, com um golo de Portugal mal anulado, que nos daria a vitória não só no jogo, mas no grupo. No entanto, não se pode dizer que tenha sido uma campanha gloriosa, tanto mais que perdemos e empatámos com as seleções que contavam (Sérvia e Irlanda), já que as duas restantes - Luxemburgo e Azerbaijão - foram uma espécie de bombos da festa.
O jogo com a Turquia tem de ser séria e humildemente encarado, se queremos ter a oportunidade de jogar contra o vencedor do Itália-Macedónia do Norte, na terça-feira que vem. Desse jogo - que o mais provável é ser com a Itália - sairá, finalmente, a equipa que estará no Mundial. O trajeto é difícil, e Portugal, que esteve em todas as finais este século, pode ficar de fora.
Por cá, o campeonato regressa no fim de semana seguinte a este último jogo (que é esperado ser Portugal-Itália, mas que pode ser da Itália contra a Turquia). Ou seja a 2 e 3 de Abril, caso o Benfica não jogue logo na sexta, dia 1, uma vez que dia 5 tem encontro marcado com o Liverpool, na Luz. Para o campeonato, os encarnados jogam fora com o SC Braga; os portistas em casa contra o Santa Clara; e o Sporting, também em casa, contra o Paços de Ferreira. Se nesta altura do campeonato não há jogos fáceis, estes são todos difíceis, nomeadamente o do Benfica.
Mas, para o campeonato, ainda há tempo de falar para a semana, quando soubermos já se Portugal vai ou não vai ao Catar. Até lá, somos todos da mesma equipa - a Seleção - e temos de aproveitar estes momentos de acalmia.
ÁRBITROS
Nem sei o que dizer da decisão de Artur Soares Dias perante uma entrada de Mbemba (FC Porto) sobre um adversário do Boavista. O Benfica queixa-se e o Sporting também… é que ambos já tiveram jogadores expulsos em jogadas muito semelhantes… Enfim… veremos
GOLOS
A última jornada foi pródiga em golos bonitos. O de Rafa, contra o Estoril; o de Edwards, contra o V. Guimarães (e o de Paulinho, no mesmo jogo, também). Os três da frente e, ainda, o SC Braga ganharam e deixam as últimas sete jornadas do campeonato ao rubro.
OURO
Nos Mundiais de Atletismo de pista coberta Auriol Dongmo, do Sporting, foi medalha de ouro em lançamento do peso, e Pedro Pablo Pichardo, do Benfica, medalha de prata em triplo-salto. Curiosamente as duas medalhas foram obtidas logo no primeiro dia da competição. Infelizmente, por aí nos ficámos (e não foi mau).