Bruno Lage em plena selva queiroziana
Rui Costa (dir), Presidente do Benfica, na apresentacao de Bruno Lage como novo treinador do Benfica (Miguel Nunes/A BOLA)

OPINIÃO Bruno Lage em plena selva queiroziana

Para o Mundial-2010 Carlos Queiroz só escolheu quem estivesse disposto «a ir para a selva» com ele. Quando Otamendi diz que «faltou querer ganhar», Lage tem de apostar apenas em quem confia, independentemente do nome

Juntemos o que Bruno Lage afirmou na conferência de imprensa a propósito do ‘off record’, e aquilo que foi dito pelo capitão Nico Otamendi depois do jogo com o Casa Pia. Indo ao essencial, percebeu-se que o treinador abomina os golos sofridos de bola parada, percebe que o Benfica é vulnerável às transições ofensivas, e reconhece que não é capaz de ter bola. Já Otamendi não teve pejo em dizer que contra os gansos «faltou querer ganhar.» Então, perante este quadro apocalítico, o que deve fazer o treinador? Não basta dizer que precisa da união do clube, tem o apoio do presidente, e quer a força dos adeptos a seu lado. O que lhe é exigido é muito mais. Perante tanta inépcia, coletiva, no que respeita aos golos sofridos de bola parada e à deficiente cobertura das transições do adversário; e individual, quando a bola queima de tal maneira que os jogadores não são capazes de fazer mais do que três passes seguidos (tudo isto assumido pelo treinador), e o capitão vem dizer que «faltou querer ganhar», das duas, uma: ou Bruno Lage passa a escolher para ir a jogo quem lhe dê garantias de empenhamento, personalidade e responsabilidade tática, ou rapidamente será história. A vida de um treinador faz-se de resultados, e em 33 dias Lage passou de líder isolado a estar a seis pontos do líder. Logo, ou dá a volta, ou é ele que leva uma volta. E dá a volta, como?   

Carlos Queiroz, quando era selecionador nacional, após uma derrota em Gama, nos arredores de Brasília, frente ao ‘escrete’, por 6-2, desabafou: «Já sei quem é que não vai comigo para a selva!» É isso que Bruno Lage tem de fazer se quiser ter sucesso na Luz. Deve escolher, não quem tem mais estatuto, ou foi mais caro, mas quem lhe dá garantias de entrega absoluta, capacidade física e disponibilidade psicológica, para pôr em prática o futebol que entende ser o melhor para o Benfica. E se as coisas não correrem bem, pelo menos cai defendendo as suas ideias, sem condicionamentos quanto a valores de mercado, expressos ou subliminares.  

O primeiro requisito para vestir a camisola do Benfica é o compromisso, algo pouco visto em Rio Maior, para lá dos primeiros 25 minutos. No futebol moderno, ao mais alto nível, já não há espaço nem para Cristiano Ronaldo (na Arábia), nem para Messi (na MLS), ainda extraordinários a jogar quando a sua equipa tem bola, mas inexistentes no momento da perda, obrigando os restantes nove jogadores de campo a fazerem o trabalho de dez. No Benfica, ou todos defendem, em pressão alta, dando o litro para não deixar que o adversário se sinta cómodo, ou nada feito. Cumprido este requisito, não cometer erros na saída de bola é fundamental: é preferível meter na frente («sai ponta-de-lança», como dizia o saudoso Mário Wilson) do que ‘entregar o ouro ao bandido’, com passes e passinhos em zonas onde é suicídio perder a bola; finalmente, só pode jogar quem não tiver medo de ter a bola no pé, e só pode jogar quem se mantiver em constante movimento para oferecer linhas de passe aos companheiros. Quem se esconder, é melhor ficar a ver o jogo pela televisão. É da capacidade de tomar estas decisões que depende o futuro de Bruno Lage no Benfica, e não de conferências de imprensa de contenção de danos, como a da tarde de domingo.