As eleições na Liga e o impacto na centralização de direitos TV em 2028
Futuro dos clubes depende muito das receitas televisivas (Foto: Imago)

As eleições na Liga e o impacto na centralização de direitos TV em 2028

OPINIÃO22.03.202512:00

Tribuna Livre é um espaço de opinião em A BOLA, esta da responsabilidade de Rui Pedro Soares, consultor

É até 30 de junho de 2026 que a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portuguesa de Futebol Profissional têm de entregar ao Governo e à Autoridade da Concorrência uma proposta de comercialização centralizada dos direitos televisivos das competições profissionais (Primeira e Segunda Liga).

30 de junho de 2026, esta data tem passado despercebida, mas é a chave em todo o processo.

Desde fevereiro de 2021, quando o governo aprovou o decreto-lei n.º 22-B/2021, ficou estabelecido que a partir de 2028/29 os direitos de transmissão de TV dos campeonatos profissionais seriam objeto de venda centralizada. Este longuíssimo período (7 anos e meio) visava assegurar o respeito pelos contratos que estavam em vigor — FC Porto, Sporting, Vitória de Guimarães e SC Braga, 4 das 5 SAD com mais adeptos, tinham, desde 2015, contrato assinado até junho de 2028. Mas não deve ter sido também indiferente ao governo intuir que estes 7 anos e meio também garantiam que o risco de o decreto-lei ser polémico era zero.

Ao fim de 4 anos, e a apenas 15 meses da data-limite de entrega desta proposta, o primeiro passo, o mais difícil e decisivo, parece mais distante — que todas as SAD acreditem na centralização e que todas juntas trabalhem e encontrem uma proposta única e consensual.

A divisão das SAD em duas listas nas eleições da Liga a 11 de abril pode ser revés inultrapassável para o cumprimento do prazo de 30 de junho de 2026.

O equilíbrio previsível do resultado das eleições (com a vitória tangencial a poder cair para qualquer candidato) e o facto de serem intercalares, com as próximas já marcadas para 2027, podem inviabilizar um consenso em junho de 2026.

Imaginemos então que, na data de 30/06/2026, a FPF e a LPFP não conseguem apresentar uma proposta ao Governo.

Do decreto-lei, resulta que os termos de modelo serão unilateralmente definidos pelo Governo — o que vai resultar das eleições legislativas de 18 de maio. Neste cenário, qualquer que seja o Governo (mesmo que resulte da maioria absoluta de um só partido), a decisão seria adiar a centralização, mantendo cada clube a possibilidade de negociar individualmente.

Nunca um governo irá definir unilateralmente uma chave de repartição, que será sempre polémica e controversa. Muito menos tem conhecimento e competências para definir modelos competitivos (que têm impreterivelmente de ser alterados), calendário das competições, horários dos jogos e pacotes de transmissão.

Neste provável cenário, haverá dois caminhos possíveis:

A - Todos os clubes negoceiam individualmente;

B - Benfica, FC Porto e Sporting negoceiam individualmente e todos os outros se juntam e vendem centralizadamente.

Se os 3 maiores não se entenderem com os outros, a probabilidade de se entenderem entre si é zero, pelo que venderiam 17 jogos da I Liga cada um (5,5% do número total de jogos).

Já o pacote que 15 sociedades desportivas da I Liga e 16 da II Liga venderiam centralizadamente teria 255 dos 306 jogos da I Liga (83% do total) e 272 dos 306 da II Liga (88,8%) — é muito mais valioso.

SC Braga, Vitória de Guimarães, Famalicão, Santa Clara, Rio Ave e Estoril são 6 dos 18 clubes da I Liga. Têm 102 dos 306 jogos (33% do total) e devem receber 15% do total da receita de direitos TV. O que os impediria de se juntarem e fazerem uma venda centralizada? Mesmo sem os 3 maiores, o que impediria que 31 sociedades desportivas conduzissem um processo centralizado até ao fim?

A evolução dos clubes para SAD, resultou em que várias têm proprietários muito mais fortes economicamente que os 3 maiores — são totalmente independentes. O facto destes proprietários serem estrangeiros, na sua esmagadora maioria, e participem em outras competições que há muito fazem a venda centralizada de direitos TV, torna esta hipótese muito provável.

Para os 3 maiores, venderem individualmente e permitirem aos outros 31 venderem centralizadamente, é um risco cujo impacto desconhecem. Mesmo que não fosse pela receita, não estariam no centro da decisão do modelo competitivo e da definição do calendário. E as 31 sociedades desportivas sabem que um processo com os 3 maiores é muito mais seguro, sólido e lucrativo.

A proposta de centralização dos direitos TV tem de ser entregue em junho de 2026, e ser aprovada por unanimidade por todas as sociedades desportivas — para todas ganharem mais. Quanto mais rápido todos se convencerem disso, mais tempo poderão dedicar ao que vai fazer a diferença e permitir a sua sustentabilidade — e sobrevivência.

A centralização será mesmo melhor para todos? Até para o Benfica?

O Benfica é, de longe, o clube que tem mais adeptos e gere a Benfica TV há mais de 15 anos. Em 2028, até pode vender o seu canal próprio em streaming (como a Netflix, por exemplo) e não através de operadores de telecomunicações — já não precisam deles. Esta solução seria o princípio de uma terrível perda de receita dos operadores de telecomunicações, que passariam a correr o risco do mercado evoluir vertiginosamente e passarem a ser apenas vendedores de banda larga.

O Benfica não precisa da centralização, mas pode beneficiar dela, até porque também tem desvantagens em continuar a vender isoladamente, como por exemplo:

A - Os adeptos do SLB, atualmente, pagam mais que todos os outros adeptos para assistirem aos jogos da sua equipa (têm de subscrever a Sport TV para ver os jogos fora de casa). A diferença do que o Benfica recebe dos operadores compensa o custo acrescido aos seus adeptos? Estarão eles, na verdade, a subsidiar o que se paga às outras SAD?

B - Com 300 mil clientes, a BTV tem uma audiência potencialmente muito mais limitada que os canais do FC Porto e Sporting que estão no pacote básico, com 4,5 milhões de casas. E isso é uma grande limitação na comunicação, como foi visível quando durou a guerra dos emails com o FC Porto.

C - Não são só os jogos da principal equipa masculina que estão na BTV. Seria melhor, e mais valioso, ter os jogos do futebol feminino, da equipa B na II Liga, dos sub-23, dos escalões de formação, das modalidades (andebol e hóquei em patins, por exemplo) num dos 9 primeiros canais do pacote básico? Aumentariam as audiências e as receitas comerciais. E, institucionalmente, beneficiaria de poder distribuir todos estes conteúdos pelos vários canais.

Cada uma das sociedades desportivas beneficiará com a centralização. Valorizando, na justa medida, a importância e os interesses de cada um.

O futebol português precisa de uma discussão intensa e participada, para que se consiga o consenso necessário. Vale a pena jogar em janeiro, ao frio e chuva, mas também o mês em que as famílias têm menos dinheiro, em vez de jogar mais nos meses com bom tempo? Faz sentido, em cada fim de semana, o interminável arrastar de jogos sem interesse de sexta até segunda à noite?

A alteração dos modelos competitivos tem sido sinónimo de tentativas de redução do número de equipas na I Liga, das atuais 18 para 16.

A acontecer, teria várias péssimas consequências, sendo que três sobressairiam:

1 - O número de jogos da I Liga reduziria de 306 para 240 (menos 21%do total). O número de jornadas passaria de 34 para 30 e o número de jogos por jornada de 9 para 8. A esta redução do número de jogos corresponderia uma inerente redução na receita da venda (mais de 21%, provavelmente).

2 - Aumentaria o desemprego (menos 2 equipas técnicas, menos 60 jogadores, menos dezenas de trabalhadores de staff, menos árbitros, etc...);

3 - Haveria perda de valor na venda de jogadores — com menos 4 jogos, e com equipas teoricamente mais acessíveis, haveria menos golos (e menos assistências). Gyokeres, por exemplo, marcou 4 golos aos dois últimos classificados, em apenas 2 jogos. 

Os modelos competitivos têm de ser alterados, mas reduzir o número de equipas na I Liga é um erro crasso, diminui a receita, que é o contrário do que se pretende.

Em 2025, o futebol português já não tem a atenção exclusiva dos portugueses, como há apenas 30 anos.

Agora, disputa a atenção dos adeptos com as melhores competições de futebol do mundo, às quais também têm acesso em direto. Mas os adeptos também têm tempo e dinheiro limitados, o que os obriga a fazer escolhas. Gostam de viajar, ir a restaurantes, assistir a concertos e festivais — o que fazem em família. Os mais jovens têm mais cultura desportiva e seguem fervorosamente a NBA, o Rugby e a NFL.

Como vamos atrair mais adeptos ao estádios e vamos aumentar as audiências dos jogos das competições profissionais de futebol?

Nos últimos 10 anos, as SAD ultrapassaram três momentos em que estavam a aproximar-se do abismo, e sempre através do diálogo franco e aberto entre todos, o que permitiu chegar-se a consensos, em que todos ganharam.

A - Em 2014, evitou-se a bancarrota da Liga e a paragem das competições;

B - Em 2018, as equipas B mantiveram-se a participar na II Liga, o que esteve iminente deixar de acontecer;

C - Em 2020, poucos meses após ter sido decretado o isolamento devido à pandemia de Covid, conseguiram a retoma da I Liga, aceitando os clubes da Liga 2 não recomeçar e sendo compensados por isso — praticamente todos os setores económicos estavam parados.

Nestes 3 momentos, havia presidentes que não se falavam, e sentaram-se na mesma mesa.

Cada SAD tem de fazer a sua parte, mas quanto mais rapidamente começarem a trabalhar na centralização de direitos TV em conjunto, melhor.

Faltam 15 meses para o dia 30 de junho de 2026, as SAD estão a tempo. Se não conseguirem apresentar uma proposta consensual, vai incorrer em custos, e problemas, irrecuperáveis.